Servidão humana, Somerset Maugham (ASA)

Somerset Maugham @ Clube de Leituras
    Subscrevo a frase de Gabriel Garcia Marquez, a propósito do autor, que aparece na contracapa: «Um dos meus escritores favoritos».
    As poucas mais de 700 páginas do livro parecem poucas quando concluímos a sua leitura. No livro seguimos a vida de Philip Carey (considerado alter ego do autor) que fica órfão ainda criança e vai viver com o tio vigário e a mulher. O afecto tímido da tia e o convívio com o tio, arrogante e egocêntrico, empurram-no para uma infância isolada, no meio de livros comprados ao desbarato pelo tio. Frequenta um colégio interno onde sofre com o isolamento e a sua deficiência (tinha um pé boto). Em consequência, embora fosse muito bom aluno, decide abandonar os estudos antes de se poder candidatar à universidade.  Começa por viajar para a Alemanha, para aprender alemão, depois vai estagiar numa firma de contabilidade que abandona, decide tornar-se pintor e viaja para Paris e, finalmente, decide abraçar a profissão do pai e estudar medicina. A vida de Philip é marcada pela perda dos pais, pela falta de dinheiro que o obriga a levar uma vida muito restrita e a temporariamente abandonar a medicina, e pela paixão por Mildred que vai aparecendo e desaparecendo da sua vida, deixando-o sempre devastado.
   A morte do tio, longamente esperada, permite-lhe concluir os estudos e sonhar com viagens, particularmente por Espanha, para conhecer as telas de El Greco, que o tinham deslumbrado. Termina por abandonar estes sonhos pelo casamento com uma jovem por quem se descobre tranquilamente apaixonado.
    Ao longo do livro vamos encontrando reflexões sobre a vida e sobre a morte que nos inquietam ou, noutros casos, nos apaziguam por nos vermos nelas reflectidos.

    «Sentia-se agradecido por não ter de acreditar em Deus, pois nesse caso a situação tornar-se-ia intolerável; uma pessoa só conseguia reconciliar-se com a existência por esta ser desprovida de significado.»

   «Ganharás o pão com o suor do teu rosto: não era uma maldição sobre a humanidade, mas o bálsamo que a reconciliava com a existência.»

   «A vida não tinha significado. Na Terra, satélite de uma estrela a viajar veloz pelo espaço, tinham surgido seres vivos sob a influência de condições que faziam parte da história do planeta; e tal como nela surgira a vida, também sob influência de outras condições chegaria o fim: o Homem, tão significativo apenas quanto as outras formas de vida, não surgira como o clímax da criação, mas como uma reacção física ao ambiente.»

***

Comentários

  1. Conseguiste mesmo descrever a história toda... De qualquer modo, como não é um romance que tenha intriga, sendo mais o percurso (de uma pequena parte) da vida do Philip, não faz muito mal. A riqueza do livro é sem dúvida a escrita, brilhante. No entanto, talvez por ser ainda nova, não é um livro que "venero". Não tendo qualquer tipo de intriga, por vezes não havia aquela vontade de pegar no livro; mas sempre que pegava ficava a ler enquanto pudesse, pois a escrita é de facto maravilhosa. Também não é um livro que nos deixe indiferente: faz-nos pensar e colocar diversas questões (o que gosto), e desperta varias sensações. O que nem sempre é bom, pois para quem mostra emoções facilmente e ainda por cima lê em transportes públicos... acho que percebem... Para mim o título o livro explica-se na seguinte passagem (mas admito que haja muitas discordâncias):
    "Parecia-lhe que em toda a sua vida aspirara aos ideais que outros, com as suas palavras e escritos, tinham inculcado nele, e nunca seguira o desejo do seu próprio coração. A sua conduta fora influenciada pelo que julgava dever fazer e não pelo que desejava de toda a alma. (...) Vivera constantemente no futuro e o presente sempre, sempre lhe fugira por entre os dedos (...)."
    E quem nunca sentiu isto...?

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