O Estrangeiro, Albert Camus (Ed. Livros do Brasil)

    Andava há muito com vontade de reler este livro. Recordo-me de o ter lido, em simultâneo com outros livros de Albert Camus, tendo este e o Mito de Sísifo marcado-me profundamente. Inolvidável o começo: Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem.
    Ao longo da leitura, fui associando Mersault, o personagem principal, a Bartlleby de Melville. Vamos sentindo a mesma inquietação, porque não percebemos as atitudes, as motivações e o percurso de ambos. E os livros são o local certo para acompanharmos personagens por fora e por dentro, para percebermos o que sentem, como sentem, ao mesmo tempo que os acompanhamos nas suas atitudes e ações. Aqui, como em Bartleby, o desassossego resulta do facto de não nos ser dada qualquer chave para o que se passa, embora no caso de O Estrangeiro, com alguma regularidade, o personagem reconheça que é feliz.
    O livro está dividido em duas partes, a primeira inicia-se com a morte da mãe e acaba com o assassinato do árabe (O mar enviou-me um sopro espesso e fervente. Pareceu-me que o céu se abria em toda a sua extensão, deixando tombar uma chuva de fogo. Todo o meu ser se retesou e crispei a mão que segurava o revólver.)
    A segunda parte inicia-se com o interrogatório e com a perspectiva próxima da execução (Para que tudo ficasse consumado, para que  me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução, e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio.).
   Mas sente-se alguma reciprocidade, na dificuldade de conviver e de expor os seus sentimentos e de viver de acordo com o que esperam dele e a forma como é visto e as suas atitudes são interpretadas. O decisivo na condenação não é o ato em si, mas a indiferença a que, no entender do tribunal, votou a sua mãe (Espantara-o uma outra coisa: um empregado da agência funerária dissera-lhe que eu não sabia a idade da minha mãe. ). Aliás, a abertura do livro dá-nos logo conta desse equívoco: a aparente indiferença que nos é transmitida pelo facto de desconhecer o dia da morte da mãe (ou talvez ontem) resulta da forma como a morte lhe é comunicada, em que é omitido o dia em concreto.
    A somar a esta inquietação e a agudizá-la, está a constante reflexão sobre a nossa mortalidade e a noção de que independentemente do que fizermos ou de como vivemos, iremos morrer (No fundo, não ignorava que morrer aos trinta ou aos setenta anos tanto faz, pois, em qualquer dos casos, outros homens e outras mulheres viverão, e isso durante milhares de anos.)

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