O Fiel Jardineiro, John Le Carré (Publicações Dom Quixote)

    Um livro magnífico. Li algures que John Le Carré é um excelente contador de histórias e não posso estar mais de acordo, no que toca a esta história em particular.
     O romance inicia-se com o assassinato brutal de Tessa Quayle e do seu guia, além do desaparecimento do seu companheiro de viagem e presumível amante, o Dr. Arnold Bluhm. Tessa é casada com Justin Quayle, Primeiro Secretário da Embaixada Britânica no Quénia. O desaparecimento de Bluhm leva a que se assuma ter sido um crime passional, versão em que nem o marido, nem os agentes destacados para o caso acreditam. Justin toma como sua a missão de descobrir os assassinos da mulher, desencadeando todo um processo de descoberta dos trabalhos humanitários de Tessa , dos quais sempre se manteve afastado. A viagem começa na casa de família de Tessa, em Itália, passando pela Alemanha, Suíça e Canadá, e de volta ao Quénia.

    Nunca na sua vida Justin fora tão ávido de saber. (...) Preparara-se dia e noite desde que ela morrera. (...) Do que ele precisava agora era de um grande mergulho no mundo secreto de Tessa; precisava de identificar todos os letreiros, todos os marcos miliários da viagem que ela fizera; precisava de exinguir a sua própria identidade para reviver a dela: matar Justin e trazer Tessa de volta à vida. 

     É um romance que desperta muitas emoções, sendo a mais frequentemente sentida a sensação de revolta. Toda a trama gira em torno dos interesses capitalistas da indústria farmacêutica, que se sobrepõem de forma vergonhosa e escandalosa aos interesses humanitários e de saúde. A revolta é tanto maior porque sabemos que não é ficção.

    - O medicamento estava ainda em fase de testes (...) Se ele envenena umas tantas pessoas que em qualquer caso iriam morrer, qual é o problema? O Dypraxa ainda não está autorizado no Reino Unido, portanto não interessa. (...) Os remédios têm de ser testados em alguém (...), quem é que vamos escolher? Alunos de Harvard? (...) Não estamos a matar gente que, de outra maneira continuaria viva. (...) Pensa na taxa de mortalidade destas terras [África]. A morte deste ou daquele não conta.

    Justin tenta, com as suas pesquisas, recriar o estudo em que Tessa tinha trabalhado para denunciar esta mesma realidade, e que levou à sua morte.
    O livro está muito bem escrito e aconselho a sua leitura a todos os interessados no tema. Gostei também muito da nota final do autor, em que ele menciona que "em comparação com a realidade, a (...) história é tão inofensiva como um postal de férias" e que não se atreve a nomear nos seus agradecimentos aqueles que, no Quénia, o ajudaram, por receio que, tal como a sua personagem Tessa e um padre americano (não fictício), de nome John Kaiser, possam sofrer determinados "acidentes" mortais.
   Pessoalmente, admiro a coragem de John Le Carré e até me surpreendo por ele não ter sofrido nenhuma "acidente".

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