Mrs. Dalloway, Virginia Woolf (Relógio d'Água)

Virginia Woolf @ Clube de Leituras        Já tinha começado a ler este livro mais que uma vez e desistido. Desta vez tive dificuldade em interromper a leitura. A ação decorre num único dia, marcado pela sucessão das horas tocadas pelo Big Ben. Clarissa Dalloway, a figura central, ocupa o dia na preparação de uma festa em sua casa. A frase de abertura é sobejamente conhecida: «Mrs. Dalloway disse que ela própria ia comprar flores».
     Coincidentemente, nesse dia, Peter, o seu grande amigo de infância e juventude, regressa da Índia. Está de novo apaixonado, desta feita por uma mulher muito mais nova, ele que a tinha amado há muitos anos (e ainda amava?) antes de ela ter escolhido casar com Richard Dalloway. Na festa aparece de surpresa Sally, uma amiga também da juventude. As recordações desses tempos, os sentimentos de então regressam e condicionam o reencontro.
    Clarissa prepara a festa  e manifesta inquietações e ansiedades proprias de uma mulher do seu meio: a filha Elizabete quase adulta com quem sente tão pouca afinidade, a presença de Miss Kilman - professora de Elizabete - que a despreza, o regresso de Peter, o almoço para o qual não foi convidada. O sucesso ou insucesso da festa. O vestido descosido. 
     E flutuando, omnipresente, a morte, que se materializa quando Sir William chega atrasado à festa.

    Li alguns comentários sobre o livro e praticamente todos repetem a ideia que Septimus Warren Smith, personagem que vamos acompanhando em paralelo, é uma espécie de duplo de Clarissa. Septimus Warren pode ser o alter ego de Virginia Woolf mas não encontro afinidade entre as duas personagens, a não ser o facto da morte do primeiro ensombrar a festa e fragilizar Clarissa. Ela tem consciência da proximidade, ao pensar que ela tinha conseguido escapar e ele não. Ele materializa o medo da morte que a vai acompanhando: «...que importava se também ela um dia teria de desaparecer? Tudo isto continuaria sem ela; lamentaria o facto? ou seria antes um consolo pensar que a morte termina com tudo?
    Depois disso como era inverosímil a morte! - que tudo aquilo tivesse um fim; e ninguém no mundo inteiro saberia como ela tinha amado tudo aquilo, como, a cada instante...»
     Mas esse pensamento é sempre acompanhado da celebração da vida: «A vida tinha, mesmo assim, essa aptidão para acrescentar um dia a outro dia».

Comentários

  1. Olá!

    Deparei-me com este post dias depois de ter relido "Mrs. Dalloway". E achei muito engraçado pois também eu, ao ler a primeira vez, tive sérias dificuldades em acompanhar. Mas agora senti exactamente essa necessidade de ler tudo de uma só vez. Tudo fez mais sentido.
    Queria comentar a ideia da ligação entre Septimus e Clarissa. De facto, não encontro grande ligação entre eles. É um facto que a morte de um abala o outro mas não vejo como podem ser um só. Talvez pelo fantasma do passado? Ambos sofrem a dor de um passado e não sabem lidar com ele? Afinal Clarissa fica ansiosa com a chegada de Peter e todo o passado regressa tal como passado terrível de Septimus regressa constantemente levando-o a acabar com a própria vida.
    Partilho uma ideia: um dos momentos mais deliciosos de todo o livro é o almoço em casa de Lady Bruton. Divinal toda aquela sucessão de pensamentos. Milicent Bruton é uma personagem forte e dedicada à narrativa!
    No entanto, acho que é uma das grandes obras primas de Virginia Woolf e agradeço-lhe ter dedicado algum tempo à obra e à escritora. Bom post! :)

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    Respostas
    1. Olá
      Embora me pareça que cada livro tem tantas leituras quanto leitores, é sempre bom sentir que partilhamos a leitura com outros, sobretudo quando estamos em contra corrente...
      Também gostei muito da descrição do almoço e da interação entre as diversas personagens presentes e, em especial, de Lady Bruton.
      As personagens femininas de Virguinia Woolf são sempre fascinantes e distintas entre si, mas de alguma forma, complementares.
      Obrigada pelo seu comentário. Ficamos a aguardar mais ou sugestões de leituras
      Ana.

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