A Jangada de Pedra, José Saramago (Caminho)

    No seguimento da leitura de autores com Prémio Nobel, não poderia deixar de ler Saramago. O meu único contacto com o autor português tinha sido a leitura (obrigatória) do Memorial do Convento. Na altura, em parte pela obrigatoriedade e limite de tempo, não apreciei particularmente a obra, com exceção das passagens de Baltazar e Blimunda.
     Quando comecei a ler A Jangada de Pedra, fiquei boquiaberta. Durante as primeiras páginas, não conseguia parar de pensar que o homem era um génio da escrita! A maneira como brinca com as palavras, como usa e abusa da ironia e do tom jocoso, as frases de um paragrafo lidas de um fôlego só... Foi verdadeiramente uma experiência de ler simplesmente pelo bem escrever. E deu-me um grande gosto. Tenho muitas páginas com o canto dobrado, de passagens que gostei particularmente.

    A narrativa começa com Joana Carda a riscar o chão com uma vara de negrilho, no norte de Portugal. Nesse mesmo momento, todos os cães de Cerbère, em França, não tendo cordas vocais, começaram simultaneamente a ladrar. Pela mesma altura, Joaquim Sassa passeava numa praia portuguesa quando viu uma pedra demasiado grande para o seu tamanho e peso e, surpreendentemente, conseguiu erguê-la e atirá-la ao mar, a muitos metros de distância. Em Espanha, e no exato momento em que Joaquim Sassa lança a pedra, Pedro Orce levanta-se da cadeira e, ao por os pés no chão, começa a sentir a terra tremer. Na manhã seguinte, José Anaiço, atravessando uma planície, apercebe-se de que está a ser seguido por um bando de estorninhos. Por fim, é Maria Guavaira, galega, que sobe ao sótão e encontra um pé de meia de lã que começa a desfazer, mas que parece não ter ponta para terminar. 
    Estes seis acontecimentos (contando com o dos cães de Cerbère), aparentemente inofensivos e independentes, ocorrem pela mesma altura em que começam a surgir fendas entre Espanha e França, que acabam por levar ao rachar dos Pirinéus e à total separação da Península Ibérica do continente Europeu. Pelo meio do pânico, tumultos e interesses políticos que a situação gera, encontram-se as cinco pessoas e um dos cães, percorrendo a Península (Ilha?) até aos Pirinéus, enquanto esta vai navegando e girando pelo mar...

«...ora reparem, nós aqui vamos andando sobre a península, a península navega sobre o mar, o mar roda com a terra a que pertence, e a terra vai rodando sobre si mesma, e, enquanto roda sobre si mesma, roda também à volta do sol, e o sol também gira sobre si mesmo, e tudo isto junto vai na direção da tal constelação, então o que eu pergunto, se não somos os extremo menor desta cadeia de movimentos dentro de movimentos, o que eu gostaria de saber é o que é que se move dentro de nós e para onde vai, (...) falo (...) duma coisa que se mova e que talvez nos mova, (...) o universo talvez seja um anel, simultaneamente tão delgado que parece que só nós, e o que em nós cabe, cabemos nele, e tão grosso que possa conter a máxima dimensão do universo que ele próprio é...»

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