Coração tão branco, Javier Marías (Alfaguara)

    Já não me recordo onde li o resumo do livro que aparece na contracapa:
    Durante um almoço de família, Teresa, acabada de regressar de lua-de-mel, vai à casa de banho, olha-se ao espelho, desabotoa a blusa e mata-se com um tiro no coração.Muitos anos depois, este segredo continua a fascinar Juan, cujo pai foi casado com Teresa antes de casar com sua mãe. (...) mas depois de o ler apeteceu-me sentar e começar a ler o livro de seguida. Para mais, o fascínio de Os enamoramentos, do mesmo autor, permanece ainda presente na minha memória.
    Demorei algum tempo a encontrar o livro, mas, quando o adquiri, interrompi o que estava a ler (e o que estava a fazer, sempre que era possível) para o ler.
    Embora o livro se inicie justamente com a morte da Teresa, não se reduz a esse drama e às suas causas, mas antes à perceção de Juan desse facto e da necessidade de saber a verdade na sequência do seu próprio casamento. Mas as palavras são como as cerejas e Javier Marías é hábil em estender o fio que agarramos e através do qual percorremos o labirinto do casamento de Juan, da sua vida profissional e afetiva e do seu pai, Ranz, três vezes viúvo. É um livro parco em personagens  mas que, talvez por isso mesmo, são extraordinariamente densas.
    Inolvidável a cena em que Juan conhece Luisa que se viria a tornar a sua mulher. Os equívocos da interpretação permitem que uma reunião entre dois políticos de duas potências europeias se transforme num momento confessional e de quase intimidade. As outras relações que Juan testemunha, num caso fugazmente, em Havana, em plena lua de mel, e noutro caso, envolvendo a sua amiga Berta, em casa de quem está temporariamente instalado, contribuem para a sensação de risco e de catástrofe que sente.
    A chave para o suicídio de Teresa dissipa essa sensação (O que ouvi naquela noite dos lábios do Ranz não me pareceu venial, nem me pareceu ingénuo, nem me arrancou sorrisos, mas, sim, pareceu-me passado. Tudo é, até o que está a acontecer.)

    A escrita é perfeita, belíssima: ...só cá estou eu para o recordar, a mim, o que se passou, parecem-me imagens desfocadas, como se a memória, tal como os olhos, se cansasse com a idade e já não tivesse forças para ver com clareza. Não há óculos para a memória cansada, minha querida.

   

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)