Americanah, Chimamanda Ngozi Adichie (D. Quixote)

    Não sei como vou passar os próximos dias sem a companhia de Ifemelu, a protagonista de Americanah.
    Americanah começa em Princeton, onde Ifemelu reside durante uns tempos e onde não há (havia?) um cabeleireiro em que uma negra possa entrançar o cabelo. Ifemelu tem uma bolsa de investigação na universidade de Princeton, é autora de um blogue polémico sobre questões de raça, como é identificado, e que tem imenso sucesso. Decide, no entanto, e para surpresa de todos, regressar ao seu país, Nigéria.
    A conversa no cabeleireiro que é forçada a entabular, obriga-a a justificar a decisão de regresso e a inventar razões (arranjei emprego lá...) mas o principal motivo para o regresso é Obinze, o seu amor de juventude. Este é o cenário de partida, mas daí circulamos por várias cidades dos EUA, pela Nigéria e pelo Reino Unido, para onde Obinze emigrara. E em simultâneo viajamos no tempo.
    À infância e adolescência na Nigéria, seguem-se a partida e a descoberta da diferença e as dificuldades iniciais que nem sequer são atenuadas, no caso de Ifemelu, pela bolsa. Obinze, no primeiro emprego que arranja em Londres identifica-se com outra emigrante que, pressentiu, provinha de um meio semelhante ao dele, com uma infância protegida pela família, por refeições regulares, por sonhos nos quais não era concebível acabar a limpar quartos de banho em Londres. Ifemelu confronta-se com ataques de pânico e depressão que, pensava, só aconteciam aos americanos: Ninguém em Kinshasa tinha ataques de pânico. Não era que lhes chamassem outra coisa, simplesmente não lhes chamavam nada. As coisas só começavam a existir quando lhes eram dados nomes?
    As dificuldades que os dois sentem, de forma separada, nos países para que emigram, são de ordem diversa, desde financeiras a culturais, destacando-se especialmente as resultantes do racismo e xenofobia. E se a leitura deste livro e dos posts de Ifemelu nos levam a questionar as nossas atitudes e preconceitos relativamente ao outro, ao estrangeiro, à pessoa de outra raça, estou absolutamente convicta do abismo que existe entre a Europa e os EUA nesta questão. Basta aliás ver a descrição do seminário de História, na universidade onde Ifemelu estuda, em que a palavra "preto" no filme Raízes foi substituida por um bip, e a discussão que se segue.
    Obinze é obrigado a regressar e torna-se um homem de sucesso na Nigéria. Ifemelu permanece mais tempo nos EUA, onde também reside a  sua tia Uju e o filho Dike. Namora primeiro com Curt, um branco, e depois com Blaine, mas termina por sentir sempre a ausência de Obinze. A campanha eleitoral de Barak Obama prolonga a relação com Blaine, permitindo uma comunhão de interesses e objectivos e a integração no círculo de amigos de Blaine.
    Curiosamente encontrei no relato das conversas sobre Barak Obama os mesmos argumentos que já ouvi/li sobre os direitos das mulheres, no sentido que só haverá verdadeira igualdade quando uma mulher vulgar ou mesmo medíocre ocupar um alto posto (A América terá feito reais progressos quando um tipo negro vulgar da Georgia se tornar presidente, um tipo negro que tenha tido nota mediana na universidade, p. 537), no entanto, Iefemelu nunca se identifica com esta questão ou menciona a discriminação das mulheres.
    É um livro fascinante, não só pelo relato da vida na Nigéria, mas sobretudo pela forma como encaram as sociedades para onde emigram e o olhar que lhes é devolvido ou que sentem como tal. Como disse, vou ter saudades de ter a Ifemelu e de acompanhar o seu dia a dia.

    Quando estava  a ler este livro, por coincidência, uma amiga minha que atualmente reside em Luanda enviou-me o link para uma intervenção que a autora faz sobre o perigo das histórias únicas:
http://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt

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