Esteiros, Soeiro Pereira Gomes (Editorial Avante)
Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos na margem do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais, que roubam nateiro às águas e vidores à malta. Mãos de lama, que só o rio afoga.
Assim é a frase de enntrada no livro de Soeiro Pereira Gomes, e assim fica feito o resumo do mesmo. Um romance que acompanha os "meninos-homens" que tiveram de abandonar a escola para pedinchar trabalho - ou submeterem-se mesmo a pedir esmola, ou roubar fruta para vender - a fim de poderem contribuir um pouco para mitigar a miséria da família.
«O silêncio da tarde convidava a confidências. Contaram-nas. Como velhos amigos, descreveram a história das suas vidas curtas, sem história. Gaitinhas confessou a mágoa de ter renunciado à escola porque a mãe adoecera.
(...)
A voz de Gaitinhas era de lágrimas cristalizadas. E Gineto teve pena que ser doutor não fosse coisa que se roubasse.»
São histórias tristes, de crianças que não o puderam ser na sua plenitude, por serem forçadas a crescer demasiado rápido. E, no entanto, são histórias cheias de esperança, resiliência e sonhos, como apenas as crianças conseguem senti-los.
«No portal, à espera do caldo, só o sonho matava a fome. Guedelhas regressava ao campo de jogos, onde havia bolas de couro e borracha, e público numeroso que o vitoriava. Saguí fizera-se caixeiro de mercearia - a loja grande da praça - mais para comer do que para aviar. E Malesso andava a cavalo - calça justa e chapéu largo - entre manadas de toiros.»
Maravilhosamente escrito, retratando a realidade dos trabalhadores da época - e, quiçá, de muitos ainda nos dias de hoje -, de vidas duras, de homens explorados.
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