A cor do hibisco, Chimamanda Ngozi Adichie (ASA)


     A autora, Chimamanda Ngozi Adichie, tem esta rara qualidade de nos arrastar nas primeiras páginas dos seus livros para o universo que descreve. Começamos a ler "A cor do hibisco" e estamos na Nigéria, somos Kambili ou Jaja o seu irmão. Sentimos o calor insuportável, a chuva e os cheiros da terra.
    Sofremos com Kambili e Jaja o horror de ter um pai que exige o máximo dos filhos e os agride quando não conseguem atingir as suas expectativas, bastando não ser o melhor aluno da classe para os torturar, cortando dedos ou queimando os pés. Agride a mulher violentamente e ela convive com a situação de forma ambígua porque tem medo mas, simultaneamente, sente-se agradecida por ele nunca a ter deixado ou decidido ter outras mulheres que lhe dêem mais filhos. Ao mesmo tempo, este pai é um herói que ajuda pessoas, financia os estudos de centenas de crianças, dá donativos a diversas instituições e é dono de um jornal que denuncia a situação que se vive no país, recusando ceder ou calar-se. Este homem complexo é ainda um fanático da igreja católica, adepto de uma prática religiosa rígida e obsessiva e admirador dos brancos (diz, a propósito do sogro, que Fazia as coisas da maneira certa, como os brancos e não como a nossa gente faz hoje em dia.)
    A estadia por alguns dias em casa da tia Ifeoma, irmã do pai, vai permitir-lhes um espaço de liberdade e a descoberta do riso, da alegria e das palavras, embora confinados num espaço pequeno, sem luz e sem água. A descoberta do avô paterno, um tradicionalista e a visão que este tem da igreja católica representa também um corte com as ideias impostas pelo pai (Perguntei-lhes então: Quem é a pessoa que foi morta, a pessoa que está pendurada na madeira, na entrada da missão? Disseram que era o filho, mas que o pai e o filho são iguais. Foi aí que percebi que o homem branco era louco. O pai e o filho são iguais? )
    Mas o que é mais evidente neste livro é o medo, o medo do pai, o medo da igreja, de deus (Conhecia bem o medo, mas sempre que o sentia nunca era como das outras vezes, era como se existisse sob diferentes cores e sabores).  
    Um livro excelente que não apetece largar e que tem um final surpreendente.


    Uma nota final: no livro, editado já neste século - e provavelmente também escrito - é ainda muito evidente a presença do colonizador/colonização, embora a Nigéria seja um país independente desde 1960, patente no respeito pelo homem branco, pela religião e pela língua inglesa. Talvez devido à localização, os problemas resultam do sistema político e do confronto entre tradicionalistas e cristãos, ignorando a importância do islamismo e não permitindo antecipar a situação atual e os confrontos com o Boko haram. Custa-me imaginar as personagens que permaneceram a viver tão perto das atrocidades praticadas por aquele movimento e pelo exército nigeriano, cujo relato lemos nos jornais.

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