Submissão, Michel Houellebecq (Alfaguara)


  Tinha grande expetativa quanto a este autor e, em particular, quanto a este livro. Talvez por isso me tenha desiludido tanto. A história é conhecida. Em 2017 é reeleito em França um presidente de esquerda num país cada vez mais abertamente de direita. É então criada a fraternidade muçulmana. Fala-se de uma eventual guerra civil entre os imigrantes muçulmanos e as populações autóctones, embora as pessoas estejam cansadas de ouvir falar em violência. Cinco anos depois, em 2022, a federação muçulmana (que não tem a ver com os jiadistas) alcança a segunda posição nas eleições e o partido socialista entra em negociações para manter a direita afastada do poder.

    O narrador é professor universitário, especialista em Joris-Karl Huysman. Refere a dado passo que (...) gostar de um livro é antes de mais gostar do seu autor, desejar estar com ele, ter vontade de passar os dias na sua companhia. Para além deste acompanhamento, há um paralelismo que ao longo do livro o narrador vai fazendo com a vida de JK Huysman (1848-1907), escritor francês que se converteu ao catolicismo. 
    Com a alteração política, o ensino modifica-se profundamente. A arábia saudita passa a financiar a universidade, são suprimidas as turmas mistas, os docentes têm de abraçar a fé muçulmana. As mulheres podem frequentar apenas o ensino básico. O uso dos trajes obrigatórios resguarda o corpo das mulheres e reduz o desejo. O narrador é afastado da universidade, sendo depois convidado a regressar embora tenha de se converter, o que aceita, motivado especialmente pelo casamento poligâmico. 
 
    Como dizia António Aleixo "Para a mentira ser segura e atingir profundidade, deve trazer à mistura qualquer coisa de verdade" e o autor recorre a este princípio mencionando locutores, jornalistas e políticos franceses. A questão é que se desenrola num futuro demasiado próximo e aparentemente credível mas, em meu entender ignora a reação inevitável da comunidade internacional e de grandes setores da sociedade francesa, designadamente as mulheres, os sindicatos e a igreja católica. 


    Trata-se obviamente de uma ficção, mas que mexe com receios muito presentes. Quando o autor opta por criar um cenário de grande realidade (conversações entre o Partido Socialista e a Fraternidade Muçulmana) e coloca jornalistas e políticos da atualidade a intervirem, deveria ter capacidade para fazer convocar para o livro as restantes forças que inevitavelmente reagiriam à situação narrada. Mesmo o paralelismo com a vida de JK Huysman é forçado, porque este converteu-se ao catolicismo e abdicou da vida secular, não foi como o narrador que se converteu para resolver problemas da sua vida, em particular a sua incapacidade para ter uma relação estável. Não me convenceu!

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