Granta, África

 
  Assinei os primeiros números desta revista e deixei de o fazer apenas porque tenho pouco tempo para ler e, de repente, senti que tinha substituído os livros pela revista. Confesso que gosto muito de ler contos, para alguns uma forma menor de literatura, mas confesso que, quando são bons, me deixam, com frequência, um sabor amargo na boca. Como se faltasse qualquer coisa, um pouco mais, pelo menos.
    O tema deste número, África, foi para mim surpreendente. Penso que África é o único continente que pode ser mote para reunir diversos autores e para criar nos leitores (pelo menos nos portugueses) a expectativa da leitura. Não imagino um número sobre a Europa ou a Ásia, e interrogo-me sobre o porquê desta diferença. Talvez África ainda ocupe um espaço mágico e selvagem nos nossos imaginários que nos faz ignorar a diversidade e incluir sob a designação do continente, realidades muito diversas e mal conhecidas fora dele. 
    Não tenho o hábito de ler uma revista pela ordem com que são apresentados os textos, mas confesso que o primeiro impacto que tive foi o de estar perante um National Geographic literário.
    À medida que fui lendo, essa reação inicial foi-se dissipando e desapareceu totalmente com o texto final "Como escrever acerca de África", de Binyavanga Wainaina.
    Entre os conselhos que dá, refere logo no início: No teu texto, aborda África como se fosse um só país. É um lugar quente e poeirento, com ervaçais suavemente ondulados e enormes manadas de animais e habitantes altos e magros que estão cheios de fome. 
    O texto lembrou-me um conto de Chimamanda Ngozi Adichie: Jumping Monkey Hill. O título do conto é o nome de uma estância turística que acolhe a Oficina de Escrita Criativa de Escritores Africanos, organizada por um casal inglês, cheio de ideias feitas sobre África, que levam a que uma escritora nigeriana que participa na Oficina invente uma história absolutamente fantasiosa sobre os seus antepassados, em que todos acreditam, ao contrário da história autobiográfica que apresentou inicialmente.
    Este número da revista reúne um conjunto de texto excelentes, muitos de autores africanos que desconhecia e a que irei estar atenta a partir de agora. Curiosamente, como a certa altura é mencionado por José Eduardo Agualusa, na correspondência trocada com Mia Couto, o que distingue estes escritores africanos das gerações mais velhas é a sua sofisticação e cosmopolitismo. Identifica-os como pós-nacionalistas, no caso, mais preocupados em afirmarem-se como escritores do que como nigerianos, sendo que as obras que produzem refletem com grande refinamento esta cultura global.
    Mesmo reconhecendo a mundialização de muitos destes autores, que a biografia no final da revista evidencia, as raízes africanas estão absolutamente presentes. Ou talvez por isso mesmo.






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