L'ordre du jour, Éric Vuillard (Actes Sud)

Éric Vuillard @ Clube de Leituras
    Debaixo do título, L'ordre du jour, aparece a indicação Récit e de facto não se trata de um romance. Uma amiga minha, residente na Bélgica, trouxe-mo e falou muito nele e num outro, que espero ler em breve, Les amnésiques
    Este livro, pequeno em termos de dimensão, é  imenso, pelo tema que trata, pela forma como o aborda, pelas denúncias que faz, pelas personagens de que fala. Demorei muito tempo a lê-lo porque, com frequência, ia pesquisar  pessoas de que falava e os factos que relatava.
    Em linhas gerais, o livro fala da anexação da Áustria por parte da Alemanha, da Anschluss, ou, mais concretamente do encontro entre Kurt von Schuschnigg, chanceler da Áustria, e Hitler, em que é imposto ao primeiro um acordo que amnistia os crimes perpetrados por nazis e designa para o governo um ministro também ele nazi. A conversa entre eles (imaginada? real?) é quase surrealista.
  Schuschnigg tenta provar tudo o que os austríacos fizeram pela Alemanha e em desespero cita Beethoven, e Hitler responde-lhe que o músico não é austríaco, mas alemão. E se esta conversa pode ter sido imaginada, outras há que são reais e que o autor, depois de as mencionar no contexto em que foram inicialmente proferidas, as relata tal como foram lidas no julgamento de Nuremberga. Após a assinatura do acordo e de cumpridas todas as exigências nele feitas, os alemães entram tranquilamente na Áustria. Em março desse ano é anunciada a anexação que é depois referendada em abril, votado favoravelmente por 99,75% dos austríacos. Mas o livro fala também do número crescente de suicídios entre austríacos por esses dias.
   O autor faz-nos circular entre o carro em que seguia Hitler na data da anexação da Áustria, o jantar oferecido por Chamberlain para despedida de Ribbentrop, a participação de Daladier, Chamberlain, Mussolini e Hitler na conferência de Munique, seis meses mais tarde, eventos muito pouco falados na atualidade, quando se fala da segunda guerra mundial.
   E nesta abordagem pouco comum, o livro inicia-se e acaba com a reunião dos 24 industriais que financiam a campanha de Hitler, sendo que alguns, durante a guerra, utilizaram o trabalho dos presos nos campos de concentração. E como recordatória, aqui ficam os nomes mencionados: Gustave Krupp (cuja fotografia aparece na capa); Bayer; BMW; Daimler; IG Farben; Agfa; Shell; Schneider; Telefunken e Siemens.
    Um livro a não perder.

    Na sequência da publicação em Portugal de "A Ordem do Dia", pela D. Quixote, José Carlos Fernandes publicou um excelente artigo no Observador (28.04.2018):
    Éric Vuillard, envolve factos históricos num véu translúcido de liberdade literária e lembra-nos que “as catástrofes maiores anunciam-se por vezes com pezinhos de lã".
***

Comentários

  1. Fico contente por teres gostado e que leitura aprofundada fizeste! Pensei que já estivesse traduzido em português, não será tarefa fácil, que a utilização que o autor faz da língua é magistral.

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