Dorian Gray, Oscar Wilde (11x17)

Oscar Wilde @ Clube de Leituras
    Reler um livro é sempre uma viagem que traz um certo receio. Relemos  os livros que nos marcaram de alguma forma, provavelmente procurando reavivar esses sentimentos entretanto adormecidos. E corremos o risco de não o conseguir, de não rever o encanto da primeira leitura. Pelo menos eu, quando releio um livro, faço-o com algum receio.
    Dorian Gray foi um desses livros. Sei que o li há muitos anos e lembrava-me de o ter adorado, ainda que apenas me lembrasse dos traços gerais da história: um jovem muito bonito e puro que é pintado e cuja pintura acumula as marcas da idade e da vida pecaminosa que entretanto o jovem passa a levar, poupando-o a ele dessas mazelas físicas - e dando-lhe liberdade para perpetrar os seus vícios.
    Decidi relê-lo por ocasião do concurso Novos Talentos FNAC 2018, que, na categoria Escrita pedia um conto baseado num clássico da literatura, de alguma forma transposto para a atualidade. Escolhi Dorian Gray.
    A sua leitura, não desiludiu. É um livro claramente datado, o estilo é muito específico da época em que foi escrito (e está francamente bem mantido com esta tradução - os meus parabéns a Januário Leite), mas é uma delícia de ler. Tenho vários cantos de páginas marcados, com frases que me prenderam a atenção.
    É descrito como um romance filosófico e, de facto, coloca em cima da mesa uma série de questões merecedoras de reflexão: a beleza, a arte, a virtude, a influência, os sentidos, o pecado. 
    Dorian Gray é pintado por Basil Hallward e, na tarde em que o quadro fica pronto, um velho amigo de Basil, Henry Wotton, encontra-se no seu estúdio. Como Basil, também Henry fica encantado com a beleza de Dorian, apontando-lhe que ele possui as duas únicas virtudes que vale a pena ter: beleza e juventude - e que as vai perder a ambas. Ao aperceber-se da veracidade do vaticínio, Dorian não o consegue suportar:

    «Sim, chegaria um dia em que as rugas lhe encarquilhariam o rosto, o brilho se lhe apagaria dos olhos, toda a graça da pessoa se quebrantaria e deformaria. (...) A vida que lhe devia animar a alma arruinar-lhe-ia o corpo. Tornar-se-ia terrível, hediondo, grotesco.
    »Ao pensar nisso, uma dor aguda trespassou-o como uma faca, fazendo-o estremecer em cada fibra delicada da sua natureza. (...)
    »- (...) Se fosse o contrário!... Se fosse eu que ficasse sempre jovem e o quadro envelhecesse!... Para isso... para isso... daria tudo! Sim, nada há no mundo que eu não desse! Até a minha alma daria.»

    Com este apelo, Dorian efetiva a troca e, ao primeiro sinal de crueldade que demonstra, apercebe-se do seu efeito no quadro, conquanto mantenha a sua compleição intacta, jovem e aparentemente pura. Inicia então uma vida desregrada, num crescendo de pecado em pecado, de vício em vício, sempre com os efeitos que causa à sua própria alma perfeitamente acessíveis ao seu olhar - e ao de mais ninguém.

    O livro está muito bem, escrito, como já comentei. É datado e tem muitas referências que não assim tão percetíveis para quem não conheça as obras mencionadas, pelo que acaba por se perder um pouco em alguns momentos, mas é, sem dúvida, uma leitura que recomendo.

***

Comentários

  1. Também eu, quando releio um livro, faço-o com algum receio de ficar desiludido e isso já me aconteceu. Gostaria de reler Dorian Grey mas esse receio subsiste.

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