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A mostrar mensagens de 2011

No tempo das borboletas, Julia Alvarez (Bertrand)

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    Há mais de dez anos fui a um congresso à República Dominicana. Tive oportunidade de conhecer apenas a capital. O povo dominicano, nos contatos que tive, pareceu-me afável e simpático. Sempre que me identificava como portuguesa invocavam o nome de Luís Figo e de outros jogadores de futebol. Um dia fomos surpreendidos por um indíviduo de uma certa idade, e com ar de sem abrigo, que quando nos identificou como portugueses, gritou Camões. Continuou a andar e passado um pouco, voltou-se para nós e gritou Pessoa. Fernando Pessoa.     Senti-me intimidada. Se a minha incapacidade de citar nomes de jogadores dominicanos era compreensível, já me impressionava o total desconhecimento da literatura e da história daquele país. Esta noção foi corroborada quando, num restaurante, no final da refeição e a propósito de uma moeda, me falaram das irmãs Mirabal, as mariposas, e me perguntaram se não conhecia a história delas. Era uma história tão marcante que Hollywood estava a fazer um filme s

A sombra do vento, Carlos Ruiz Zafón (Leya, SA)

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    A sombra do vento são vários livros num só, romance, romance histórico, policial. E são várias histórias que se cruzam por causa do amor aos livros. O livro, cuja história se desenrola na primeira metade do século XX, em Barcelona, inicia-se com a visita de Daniel ao Cemitério dos Livros Esquecido. O pai de Daniel levou-o numa madrugada, para o compensar do pesadelo que tivera e das saudades que sentia da mãe que morrera há pouco.     O Cemitério dos Livros esquecidos destina-se a perpetuar os livros. Neste lugar, os livros de que já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, vivem para sempre, esperando chegar um dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja nós vendemo-los e compramo-los, mas na realidade os livros não têm dono. (...)O costume é que a primeira vez que alguém visita este lugar tem de escolher um livro, aquele que preferir, e adoptá-lo, assegurando-se de que ele nunca desapareça, de que permaneça sempre vivo .     Daniel escolhe

Liberdade, Jonathan Franzen (D. Quixote)

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    Uma crónica de Miguel Esteves Cardoso publicada recentemente (5.12.2011) no jornal Público tinha o seguinte título: "A putice livresca" e tratava da forma como saltamos despudoradamente de um livro para outro ou vamos lendo, em simultâneo, vários livros. Senti-me retratada na crónica, só que desta feita, sem culpa do livro traído e rapidamente abandonado.     Há alguns dias atrás, encontrei o livro Liberdade pousado na mesa da sala de estar da casa do meu irmão. Um marcador ainda nas primeiras páginas revelava um leitor inicial ou pouco interessado. Comecei a folheá-lo e o meu irmão,generosamente, disse que mo emprestava se o lesse rapidamente. O que fiz.     Deixei de lado o livro que estava a ler e comecei a ler Liberdade com o mesmo prazer e intensidade com que tinha lido Correcções .    Apenas o tempo dirá se é o romance do ano e do século ( The Guardian ) ou se merece estar numa prateleira ao lado de clássicos como Guerra e paz , mas não tenho dúvidas em

Jerusalém, Gonçalo M. Tavares (Caminho, O Campo da Palavra)

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    Deste livro e do seu autor disse José Saramago no discurso de atribuição do Prémio: "Gonçalo M.Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater" .     É um livro denso e difícil mas muito bem escrito, não há palavras a mais ou desperdiçadas. Apenas as palavras necessárias.     A época e a localização da acção só podem ser intuídas e remetem-nos para um país europeu (Alemanha, porventura) no pós segunda guerra mundial.     Há alguma misoginia nas personagens quase todas masculinas: Theodor Busbeck, médico e investigador, filho de Thomas, político; Hinnerk, ex-combatente, Gomperez Rulrich, Director do hospício; Krauss, advogado e amigo de Theodor; Gothjeres, ginecologista; Ernst Spengler, esquizofrénico e Kaas, deficiente, filho de Mylia e Ernst mas perfilhado por Theodor.     As personagens femininas são apenas Mylia, esquizofrénica e Hanna, prostituta. Uma sem profissão e a outra com a designada mais velha profissão do m

Meia-Noite ou o Princípio do Mundo, Richard Zimler (D. Quixote)

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    Quando peguei no livro e o comecei a folhear, indecisa se o iria comprar, a minha irmã disse-me que eu tinha de o ler. Segundo ela, mal iniciasse a leitura, iria ter dificuldade em interrompê-la.     De facto, trata-se de um livro que nos prende logo nas primeiras páginas, em que acompanhamos a infância ainda protegida de John Zarco Stewart, na cidade do Porto, no início do século XIX. John é filho de um escocês e de uma judia portuguesa, mas só descobrirá esta parte da sua herança através do confronto público feito por um antigo inquisidor, apostado em fazer regressar a Inquisição, com o apoio discreto da Igreja.     A amizade com Daniel e Violeta, crianças sem a mesma protecção familiar, vai forçá-lo a confrontar-se muito novo com a morte (suicídio) e a violência exercida sobre as crianças/mulheres.     Só consegue sair da prostração em que caiu com o auxílio de Meia-Noite, um boxímane com que o pai se fez acompanhar de uma viagem à África do Sul. A amizade entre os doi

Mia Couto nas Conferências do Estoril 2011

http://www.youtube.com/watch?v=jACccaTogxE&feature=player_embedded

Roubo, Peter Carey (Dom Quixote)

O subtítulo deste livro Roubo é Uma história de amor . Fica-nos a dúvida se a história de amor mencionada entre o Butcher Jones, pintor, caseiro e Marlene, assassina, aldrabona e autenticadora de pinturas justifica este subtítulo, embora o livro se conclua com uma declaração de amor: " uma pessoa melhor poderia ter fugido horrorizada, mas eu amava-a e não vou deixar de amar. (...) Como é que se pode saber quanto se deve pagar quando não se sabe o valor das coisas?" A verdadeira e profundíssima história de amor é entre os dois irmãos, gémeos, Butcher Jones e Hugh, este último atrasado e obeso: " Havia o Hugh, sempre o Hugh. E eu sei que disse que em Tóquio não pensava nele, mas como é que alguém pode acreditar numa treta dessas? Ele era o meu irmão órfão, estava sob minha custódia, o filho da minha mãe. Tinha os meus ombros musculados e descaídos, o meu lábio inferior, as minhas costas peludas, a minha barriga da perna de camponês. Eu tinha sonhado com ele, tinha-o vist

As mãos desaparecidas, Robert Wilson (Dom Quixote)

Que saudades eu tinha de um bom romance policial. Javier Falcon, detective de homícidios,investiga uma sucessão de mortes. Na investigação, cruzam-se os grandes eventos mundiais dos últimos anos: o 11 de Setembro (que inicialmente pensou tratar-se do atentado às torres gémeas e só depois se percebeu tratar-se do golpe chileno conduzido por Pinochet), o atentado a Olof Palme, a máfia russa, a imigração, o tribunal penal internacional... Cruzam-se ainda crimes que têm irrompido com grande dimensão e ignorado fronteiras, como a pedofilia (também no livro se fala em criminosos conhecidos, como um famoso locutor), a corrupção e o tráfico de seres humanos. E no meio disto tudo, Javier continua a seguir o processo de psicoterapia, a recuperar do divórcio, a apaixonar-se, contaminando o livro com pensamentos pessoais e emoções que, em regra, não estão presentes em livros policiais. Um exemplo é a afirmação da sua psicoterapeuta, Alicia Aguado: " Mesmo depois de todos estes anos continu

O Outro Pé da Sereia, de Mia Couto (Editorial Caminho)

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   "O outro pé da Sereia" conta-nos simultaneamente duas histórias, decorrentes com séculos de distância, que se complementam por uma ser o passado que levou aos eventos do presente. Mais que isso, conta-nos histórias de viagens; viagens feitas no espaço e no tempo mas, acima de tudo, viagens ao cerne dos personagens que povoam as histórias e que povoam o romance com as suas histórias, as suas angústias de vida.      A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores , e o livro inicia-se com a viagem de Mwadia Malunga de volta à sua terra natal e às suas raízes, depois de anos de desolação representados pelas suas palavras ao marido:     - Porquê, Zero Madzero, porque é que eu recordo tanto? O marido não sabia responder. Era por isso que ela lhe perguntava: por não temer a resposta. No íntimo de si, Mwadia sabia: quem se lembra tanto de tudo, é porque não espera mais nada da vida.     A escrita é mara

As velas ardem ate ao fim, Sándor Márai (D. Quixote)

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   Um livro apaixonante. Dividi-me entre a vontade (necessidade) de ler e conhecer o desfecho e a vontade de atrasar o momento em que viraria a última página e ele deixaria de ter qualquer segredo para mim.   Do mesmo autor já tinha lido A mulher certa , de que também gostara. Mas este último livro é excepcional, pela história, pelos ambientes, pelas personagens, pela escrita. Dois grandes amigos (que se descrevem como dois irmãos gémeos), cuja amizade se inicia no final da infância, quando ambos entram para um colégio na Áustria, embora sejam ambos muito diferentes entre si, reencontram-se ao fim de 41 anos e 43 dias.    O livro retrata essa amizade como o sentimento mais forte que todos os outros (- Só os homens conhecem esse sentimento. Chama-se amizade. ) O reencontro é fundamental para ambos que sentem que irão morrer em breve e que se mantiveram vivos justamente para este dia. Entre os dois está o fantasma de Krisztina, casada com um (o general) mas que partilhava com o ou

Os Jardins de Luz, Amin Maalouf (Difel)

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    Mais uma férias na Serra, Tomar, entre o rio e as árvores. Mais uma vez sem coragem para iniciar a leitura de À procura do tempo perdido, vagueio entre leituras antigas e, nalguns casos, interrompidas.     Foi o caso deste livro, Os Jardins de Luz, de Amin Maalouf, um dos meus autores favoritos. As páginas um pouco amareladas, ostentam a etiqueta dourada de uma livraria de Paço de Arcos já encerrada.     De acordo com a contracapa, este livro conta a história de Mani, um personagem esquecido, mas cujo nome esteve na origem de um conjunto de expressões como "maniqueu" e "maniqueísta". A acção desenrola-se no século III da nossa era e maioritariamente no Império Sassânida, de cuja existência e história eu nada sabia.     Mani, pregador de uma visão ecumenista e humanista, foi seguido por alguns e perseguido por muitos. Foi protegido por Sapor, Imperador dos Sassânidos, caindo em desgraça por não ter vaticinado a sua vitória sobre os romanos. Sapor explicav

Pantaleão e as Visitadoras, Mario Vargas Llosa (Dom Quixote)

O ecletismo dos temas de Mario Vargas Llosa é sempre acompanhado de uma escrita de grande qualidade. Este livro, Pantaleão e as Visitadoras, conta a história, descrita como verdadeira, de um dedicado oficial do exército que é chamado a desempenhar uma função original: criar um corpo de visitadoras (prostitutas) que se desloque aos vários estabelecimentos militares dispersos pelo país, evitando desta forma os abusos e as violações que se vêm registando um pouco por toda a parte. Pantaleão dedica-se a esta função com todo o empenho e dedicação ( Se ao menos tivesse organizado a coisa de uma maneira medíocre, defeituosa. Mas esse idiota transformou o Serviço de Visitadoras no organismo mais eficiente das Forças Armadas. Não há volta a dar-lhe Panta (...) És o Einstein da trancada .) A dedicação que vota ao serviço leva a mulher a abandoná-lo com a filha praticamente acabada de nascer. Fica a viver apenas com a mãe, mantendo uma relação epistolar com a mulher. É então que se apaixona pela

Correcções, Jonathan Franzen (D. Quixote)

Correcções agarra-nos logo ao princípio e leva-nos numa vertigem ao longo das suas mais de 500 páginas até ao fim. Dizer que é um romance sobre a família americana da última década do século XX é demasiado redutor. É um livro sobre pessoas, sobre família, casamento, crescimento, envelhecimento e como todos lidamos com as diferentes fases da vida. O livro centra-se quase exclusivamente na família Lambert: o pai, Alfred, reformado e a sofrer de Parkinson e de demência, Enid, sua mulher, doméstica ( Não importava que o trabalho dele o satisfizesse tanto que nem precisava do amor dela, ao passo que a lida dela a enfadava tanto que precisava a dobrar do amor dele. Em qualquer contabilidade racional, o trabalho dele anulava o dela ), e os três filhos do casal, Gary, Chip e Denise. A razão do nome só nos é revelada no final do livro, quando Enid, liberta finalmente do peso diário da vivência com Alfred, internado num lar, o corrige sistematicamente durante as suas visitas ( sentira-se errad

A rapariga que roubava livros, Markus Zusak (Editorial Presença)

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    Este livro espreitava-me do topo da minha estante giratória desde que o meu irmão mo ofereceu há já dois anos. Não sei dizer o que me tinha afastado da sua leitura, mas tal como é referido na capa em diversas citações jornalísticas, trata-se de um livro extraordinário, brilhante...     A narradora é a morte e a protagonista uma criança, Liesel, e a acção decorre na vila de Molching, perto de Munique, durante a IIª Guerra Mundial.     No início do livro, Liesel viaja num comboio com a mãe e o irmão. O irmão morre e a viagem é interrompida e só prossegue depois do enterro. É no funeral do irmão que Liesel rouba o seu primeiro livro. Liesel é entregue pela mãe a um casal alemão. A única coisa que sabe do pai é que era comunista, embora não saiba o que tal significa.     O casal que a recebe e que vai tomando o lugar dos pais ao longo da narrativa não podia ser mais distinto, embora a diferença seja mais aparente que real. Rosa é ríspida, pragueja constantemente e tem di

Ao cair da noite, Michael Cunningham (Gradiva Romance)

Michael Cunningham é o autor de "As horas" de que eu gostei muito, o que conjugado com a síntese da obra no verso do livro, me atraiu irresistivelmente para a sua leitura. Não me lembro de ter ouvido falar dele, ou de o encontrar numa livraria, mas a lembrança de um amigo trouxe-o até mim. O livro retrata a vida de um casal na casa dos quarenta, com uma relação estável e tranquila e uma vida profissional intensa e interessante. As únicas sombras que pairam sobre as suas vidas são a filha única que saiu de casa, recusando cumprir o destino que eles tinham traçado e o irmão mais novo da mulher, toxicodependente. A filha optou por trabalhar num bar e partilhar a casa com uma mulher mais velha, mantendo uma relação com os pais distante e esporádica por telefone. O irmão de Rebecca, bastante mais novo que as irmãs, aparece em casa de Peter e Rebecca lembrando o irmão de Peter que morreu jovem - provavelmente com sida -, Rebecca quando era jovem e a filha de ambos. Embora o irmã

A independência de uma mulher, Colleen McCullough (Bertrand Editora)

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    Os leitores de Orgulho e Preconceito sabiam que a história de amor de Elizabeth e de Mr. Darcy não tinha acabado quando concluíram a sua leitura. E suspeitavam de que as irmãs Bennet tinham muito para contar. A vida de todas elas deveria ter sido infinitamente mais interessante depois de saírem de casa dos pais. Descobrir que Colleen McCullough (autora de Pássaros Feridos e de Tim, entre outros) tinha retomado a sua história, deixando apenas um hiato de alguns anos, parecia uma fórmula de sucesso.     Curiosamente, a autora decide utilizar como figura central, a irmã mais nova, Mary. Mary, por decisão dos cunhados, ficou solteira e a tomar conta da mãe, pelo que o livro e a sua vida se iniciam com a morte inesperada desta.     Tenho de confessar que me dividia entre a expetativa de encontrar todas as outras irmãs casadas e felizes ou, pelo contrário, em rota de colisão com a vida que lhes foi traçada pelos pais e pela sociedade.     Penso que autora também sofreu essa amb

Livros a ler

Quatro escritores portugueses na lista do Prémio PT Há quatro escritores portugueses entre os 50 nomeados para a primeira lista de fialistas da 9.ª edição do Prémio Portugal Telecom de Literatura, que será atribuído em Novembro, no Brasil. São eles João Tordo, pelo livro As Três Vidas (edição Língua Geral); Ernesto Manuel de Melo e Castro, por Neo-Poemas-Pagãos (edição Annablume – Demónio Negro); Gonçalo M. Tavares, por Uma Viagem à Índia (edição Leya-Brasil); e Inês Pedrosa, por Os Íntimos (edição Objectiva). Jornal Público, 25 de maio 2011

Servidão humana, Somerset Maugham (ASA)

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    Subscrevo a frase de Gabriel Garcia Marquez, a propósito do autor, que aparece na contracapa: « Um dos meus escritores favoritos» .     As poucas mais de 700 páginas do livro parecem poucas quando concluímos a sua leitura. No livro seguimos a vida de Philip Carey (considerado alter ego do autor) que fica órfão ainda criança e vai viver com o tio vigário e a mulher. O afecto tímido da tia e o convívio com o tio, arrogante e egocêntrico, empurram-no para uma infância isolada, no meio de livros comprados ao desbarato pelo tio. Frequenta um colégio interno onde sofre com o isolamento e a sua deficiência (tinha um pé boto). Em consequência, embora fosse muito bom aluno, decide abandonar os estudos antes de se poder candidatar à universidade.  Começa por viajar para a Alemanha, para aprender alemão, depois vai estagiar numa firma de contabilidade que abandona, decide tornar-se pintor e viaja para Paris e, finalmente, decide abraçar a profissão do pai e estudar medicina. A vida de Ph

Porque não ler...

Sento-me à lareira, manta sobre os joelhos, costas na almofada, e abro aquele promissor exemplar. Nada dá mais prazer que passar as mãos na capa e abrir as primeiras páginas, ver a textura e cor das folhas, verificar que a letra escolhida tem a forma e tamanho perfeitos. Estão criadas as condições para um belo serão numa realidade distinta da nossa. Porém... Algo nas palavras não bate certo. Estarei preocupada, distraída com alguma coisa? Ups... já li esta linha duas vezes... E o calor que vem da fogueira está a saber-me tão bem. Por algum motivo, os filmes que dão na televisão parecem todos interessantes; já deitada, o sono surge antes da vontade de pegar no livro; os dias passam, mas o marcador não avança. Chega então o dia em que pondero arrumar novamente o livro na estante. Mas algo me impede. Aquele autor é tão bom! Devia tentar avançar um pouco mais no enredo. Sinto o peso dele na mala, todos os dias, prometendo acelerar a viagem pelos transportes públicos. Pego nele.

Abandonar um livro a meio

Podemos abandonar um livro a meio? Trata-se de um direito, como enuncia a lista dos direitos inalianáveis dos leitores? Então porque custa tanto exercê-lo? Pego no livro, leio umas páginas, interrompo a leitura, retomo sem me lembrar do que li e sem vontade de o fazer. Demoro a passar de parágrafo e interrompo a leitura sob qualquer pretexto. O que nos faz gostar de um livro? Há pouco tempo vi um filme em que a protagonista começava por ler as últimas páginas e só se decidia a ler se tivesse gostado do final. Mas conhecer o final é comprometer parte do prazer da leitura. Não gostar de um livro de um autor de que habitualmente se gosta,não gostar de um livro recomendado, premiado e com críticas positivas é bastante mais complicado. É o caso do livro que me tem acompanhado nestes últimos dias (ou serão já semanas?). A minha irmã, que mo ofereceu, disse que se tinha lembrado imediatamente de mim quando ouviu falar do livro. Está muito bem escrito e foi premiado, mas não me prende e n

O sonho do Celta, Mario Vargas Llosa (Quetzal)

"O sonho do Celta" relata a história de Roger Casement, nascido no final do século XIX, de pai inglês e mãe irlandesa. Cônsul britânico primeiro no Congo, depois na Amazónia peruana, em ambos os locais denuncia as atrocidades cometidas contra os indígenas na exploração da borracha. O livro decorre entre os últimos dias que passa na prisão, antes de ser executado e à espera de uma possível comutação da pena, e a vida no Congo e em Putumayo (Peru), o regresso a Inglaterra e o seu reencontro com as raízes culturais e religiosas irlandesas. É nessa altura que defende que qualquer acção pela independência da Irlanda teria de ser articulada com a Alemanha que se encontrava então em guerra (I Guerra Mundial) com a Inglaterra. É preso quando desembarca em Inglaterra e o prestígio que tinha (o seu relatório sobre as atrocidades cometidas no Peru foi publicado pelo parlamento britânico e foi-lhe atribuído o título de Cavaleiro) não o salvou da execução. Para isto contribuiu quer o fac

Ler

Para ler preciso de tranquilidade, escrevi no outro dia. Mas ao ler as palavras de George Steiner, na revista Ler (Edição Especial Número 100), entrevistado por Beata Cieszynska e José Eduardo Franco,identifiquei-me com o que ele diz e, decidi roubar-lhe algumas frases: " Para ler seriamente é preciso silencio. Não ponha música, tire a rádio e a televisão do quarto. tem de saber viver, e conviver, com o silêncio. (cada vez menos jovens querem viver com o silencio. na realidade, têm-lhe medo). (...) Tem de estar preparado para - e não riam de mim - saber passagens de cor. Aquilo que amamos, devemo-lo saber de cor. Não é por acaso que "coração" em latim é "cor". ninguém nos pode tirar aquilo que sabemos de cor. Deixem-me frisar:saber, saborear de cor, com o coração, não com a cabeça. Queremos sempre levar connosco o que amamos. (...) Em terceiro lugar, precisa de ter alguma privacidade. Esta última condição é tremenda, provavelmente a mais difícil para os j

"Silêncio", Shusaku Endo - (D. Quixote)

Para ler é necessário estar disponível para seguir as palavras, as histórias que nos contam, as ideias que nos transmitem. É preciso termos a disponibilidade para as ler e as seguirmos, flutuando atrás delas, e nos evadirmos da nossa vida, da nossa rotina, do nosso dia a dia. Mas se a nossa realidade é tão pesada que nos oprime, não conseguimos a tranquilidade necessária a essa evasão. Ficamos presos à terra, amarrados pela gravidade que nos impede de voar. Foi isso que me aconteceu durante os três últimos meses de 2010. Os livros ficavam parados, imóveis na minha mesinha de cabeceira, na sala, no sótão. E se acontecia eu pegar neles, logo os largava. As palavras amontoavam-se sem sentido. Eram apenas linhas pretas em fundo branco que se repetia página após página. Só a escrita me ajudava Recuperei a vontade e a capacidade de ler no princípio deste ano. Coincidentemente, um grande amigo, o Pedro, mais doente então do que eu adivinhava, ofereceu-me este livro. Profundamente c