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A mostrar mensagens de agosto, 2011

As mãos desaparecidas, Robert Wilson (Dom Quixote)

Que saudades eu tinha de um bom romance policial. Javier Falcon, detective de homícidios,investiga uma sucessão de mortes. Na investigação, cruzam-se os grandes eventos mundiais dos últimos anos: o 11 de Setembro (que inicialmente pensou tratar-se do atentado às torres gémeas e só depois se percebeu tratar-se do golpe chileno conduzido por Pinochet), o atentado a Olof Palme, a máfia russa, a imigração, o tribunal penal internacional... Cruzam-se ainda crimes que têm irrompido com grande dimensão e ignorado fronteiras, como a pedofilia (também no livro se fala em criminosos conhecidos, como um famoso locutor), a corrupção e o tráfico de seres humanos. E no meio disto tudo, Javier continua a seguir o processo de psicoterapia, a recuperar do divórcio, a apaixonar-se, contaminando o livro com pensamentos pessoais e emoções que, em regra, não estão presentes em livros policiais. Um exemplo é a afirmação da sua psicoterapeuta, Alicia Aguado: " Mesmo depois de todos estes anos continu

O Outro Pé da Sereia, de Mia Couto (Editorial Caminho)

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   "O outro pé da Sereia" conta-nos simultaneamente duas histórias, decorrentes com séculos de distância, que se complementam por uma ser o passado que levou aos eventos do presente. Mais que isso, conta-nos histórias de viagens; viagens feitas no espaço e no tempo mas, acima de tudo, viagens ao cerne dos personagens que povoam as histórias e que povoam o romance com as suas histórias, as suas angústias de vida.      A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores , e o livro inicia-se com a viagem de Mwadia Malunga de volta à sua terra natal e às suas raízes, depois de anos de desolação representados pelas suas palavras ao marido:     - Porquê, Zero Madzero, porque é que eu recordo tanto? O marido não sabia responder. Era por isso que ela lhe perguntava: por não temer a resposta. No íntimo de si, Mwadia sabia: quem se lembra tanto de tudo, é porque não espera mais nada da vida.     A escrita é mara

As velas ardem ate ao fim, Sándor Márai (D. Quixote)

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   Um livro apaixonante. Dividi-me entre a vontade (necessidade) de ler e conhecer o desfecho e a vontade de atrasar o momento em que viraria a última página e ele deixaria de ter qualquer segredo para mim.   Do mesmo autor já tinha lido A mulher certa , de que também gostara. Mas este último livro é excepcional, pela história, pelos ambientes, pelas personagens, pela escrita. Dois grandes amigos (que se descrevem como dois irmãos gémeos), cuja amizade se inicia no final da infância, quando ambos entram para um colégio na Áustria, embora sejam ambos muito diferentes entre si, reencontram-se ao fim de 41 anos e 43 dias.    O livro retrata essa amizade como o sentimento mais forte que todos os outros (- Só os homens conhecem esse sentimento. Chama-se amizade. ) O reencontro é fundamental para ambos que sentem que irão morrer em breve e que se mantiveram vivos justamente para este dia. Entre os dois está o fantasma de Krisztina, casada com um (o general) mas que partilhava com o ou

Os Jardins de Luz, Amin Maalouf (Difel)

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    Mais uma férias na Serra, Tomar, entre o rio e as árvores. Mais uma vez sem coragem para iniciar a leitura de À procura do tempo perdido, vagueio entre leituras antigas e, nalguns casos, interrompidas.     Foi o caso deste livro, Os Jardins de Luz, de Amin Maalouf, um dos meus autores favoritos. As páginas um pouco amareladas, ostentam a etiqueta dourada de uma livraria de Paço de Arcos já encerrada.     De acordo com a contracapa, este livro conta a história de Mani, um personagem esquecido, mas cujo nome esteve na origem de um conjunto de expressões como "maniqueu" e "maniqueísta". A acção desenrola-se no século III da nossa era e maioritariamente no Império Sassânida, de cuja existência e história eu nada sabia.     Mani, pregador de uma visão ecumenista e humanista, foi seguido por alguns e perseguido por muitos. Foi protegido por Sapor, Imperador dos Sassânidos, caindo em desgraça por não ter vaticinado a sua vitória sobre os romanos. Sapor explicav

Pantaleão e as Visitadoras, Mario Vargas Llosa (Dom Quixote)

O ecletismo dos temas de Mario Vargas Llosa é sempre acompanhado de uma escrita de grande qualidade. Este livro, Pantaleão e as Visitadoras, conta a história, descrita como verdadeira, de um dedicado oficial do exército que é chamado a desempenhar uma função original: criar um corpo de visitadoras (prostitutas) que se desloque aos vários estabelecimentos militares dispersos pelo país, evitando desta forma os abusos e as violações que se vêm registando um pouco por toda a parte. Pantaleão dedica-se a esta função com todo o empenho e dedicação ( Se ao menos tivesse organizado a coisa de uma maneira medíocre, defeituosa. Mas esse idiota transformou o Serviço de Visitadoras no organismo mais eficiente das Forças Armadas. Não há volta a dar-lhe Panta (...) És o Einstein da trancada .) A dedicação que vota ao serviço leva a mulher a abandoná-lo com a filha praticamente acabada de nascer. Fica a viver apenas com a mãe, mantendo uma relação epistolar com a mulher. É então que se apaixona pela

Correcções, Jonathan Franzen (D. Quixote)

Correcções agarra-nos logo ao princípio e leva-nos numa vertigem ao longo das suas mais de 500 páginas até ao fim. Dizer que é um romance sobre a família americana da última década do século XX é demasiado redutor. É um livro sobre pessoas, sobre família, casamento, crescimento, envelhecimento e como todos lidamos com as diferentes fases da vida. O livro centra-se quase exclusivamente na família Lambert: o pai, Alfred, reformado e a sofrer de Parkinson e de demência, Enid, sua mulher, doméstica ( Não importava que o trabalho dele o satisfizesse tanto que nem precisava do amor dela, ao passo que a lida dela a enfadava tanto que precisava a dobrar do amor dele. Em qualquer contabilidade racional, o trabalho dele anulava o dela ), e os três filhos do casal, Gary, Chip e Denise. A razão do nome só nos é revelada no final do livro, quando Enid, liberta finalmente do peso diário da vivência com Alfred, internado num lar, o corrige sistematicamente durante as suas visitas ( sentira-se errad