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Livros lidos em 2018

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    Os livros que lemos e comentámos em 2018 não foram publicados em 2018, salvo duas exceções, A Mulher de Cabelo Ruivo de Orhan Pamuk e O Fiel Defunto de Germano de Almeida.     Não esperamos que os livros tenham sido escritos há mais de 100 anos para os ler, como dizia Jorge Luís Borges, mas preferimos deixar a poeira assentar antes de ler um livro acabado de editar ou procurar nas prateleiras livros velhos ali pousados à espera de serem lidos ou mesmo relidos. Alguns dos livros que comentámos tinham, de facto, mais de 100 anos, como a Anna Karénina de Lev Tolstoi, Dorian Gray de Oscar Wilde ou O Último Dia de um Condenado , de Victor Hugo. Qualquer um deles é um excelente argumento a favor da leitura de livros velhos, amarelecidos pelo tempo. Continuarão a ser lidos mesmo daqui a 100 anos.     Entre os livros lidos em 2018, 7 foram de autores portugueses e 4 de autores de língua portuguesa. Alguns destes livros, apesar do tempo decorrido desde a sua edição, foram uma sur

Um bom homem é difícil de encontrar e outras histórias, Flannery O'Connor (Relógio D' Água)

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    Um Bom Homem é Difícil de Encontrar e outras histórias é um livro extraordinário. Apesar de ser o primeiro conto que dá o título ao livro, termina por ser o mote para este e para os restantes contos. As personagens principais são más, mesquinhas, ridículas ou patéticas. Apenas as personagens secundárias, cujos contorno são muito esbatidos, poderão, eventualmente, fugir a estes predicados.     As histórias decorrem no sul dos EUA, local onde a autora viveu e nasceu, e que parece ser o cenário ideal para estes contos. A primeira história apanha-nos de surpresa, embora o título  nos forneça uma pista para o que irá acontecer. E se as outras histórias já não nos surpreendem da mesma forma, não deixam de nos desconcertar. Com alguns contos, especialmente os dois últimos - Boa Gente do Campo e O Refugiado - senti não só surpresa como até algum desconforto ou inquietação. Talvez porque em ambos os casos sentisse alguma empatia pelas vítimas.    Um retrato cruel da natureza h

Sociedade dividida, Raphael Lima (motoreditorial)

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    Fiquei curiosa com este livro que foi apresentado pela Teresa no âmbito da disciplina Escrita de Viagem, lecionada pelo Paulo Moura. Para o escrever, o autor percorreu e fotografou os países e regiões da ex-Jugoslávia, cerca de duas décadas depois da guerra.     Como ele próprio explica, estava dividido entre regressar a Chipre ou Belfast, onde concebeu o projeto que dá o nome a este livro, ou ir « para a antiga Jugoslávia e entender os motivos que levaram ao colapso do país na década de 1990, após quase quarenta anos sob o comando do Marehal Josip Broz Tito e passados mais de dez anos, após a sua morte, com nacionalismos cada vez mais exacerbados» . Optou pelo último. Começou por Belgrado, capital da Sérvia, justamente a 18 anos sobre o início do bombardeio da NATO. As fotografias mostram uma cidade ainda fortemente marcada pela guerra. Daí, depois de ter assistido a um jogo de futebol, parte para Vukovar na fronteira com a Croácia e que foi o palco de uma das piores batalh

Mil Novecentos e Setenta e Cinco, Tiago Patrício (Gradiva)

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     Primeiro livro que li deste autor, de que ainda não tinha ouvido falar, tendo por isso ficado surpreendida por descobrir na badana que já recebeu (venceu, como é ali referido) diversos prémios. O título, Mil Novecentos e Setenta e Cinco , não nos remete apenas para um qualquer período temporal definido, envia-nos diretamente para uma época agitada no nosso país que se seguiu à revolução do 25 de abril. Para uns será uma viagem a um tempo que não conheceram, para outros um regresso ao passado.     O livro inicia-se com o ano novo e acaba com o “findano”. Horácio regressa à aldeia de Trás os Montes, onde nasceu porque recebeu uma carta da tia a informá-lo que a avó estaria muito doente. E é esse o ponto de partida, o regresso de Horácio, a que se hão-de seguir outros regressos ou chegadas à aldeia, que se encontra espartilhada entre os muito ricos e os pobres.     A descrição das personagens é tão perfeita que nos permite imaginá-las, sentadas à entrada de suas casas ou a m

Viagens com o Charley, John Steinbeck (Livros do Brasil)

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  Este livro foi sugerido pela Catarina para um trabalho da disciplina Escrita de viagem e adorei lê-lo. Há muito que não lia um livro do Steinbeck, mas a escrita dele, rápida, despretensiosa e ao mesmo tempo tão rica, prende-nos desde o princípio.     De acordo com a contracapa, « a bordo de uma camioneta a que chamou Rocinante, tendo apenas como companhia o cão-d'água Charley, partiu numa viagem de mais de três meses do Maine à Califórnia », e a causa e o  objeto da viagem são mencionados logo no início:     « Por conseguinte, descobri que não conheço o meu próprio país [...]. Não ouvira falar da América, não cheirara a sua erva, as suas árvores e as sua imundície, não vira as suas colinas nem as suas águas, a sua cor e a qualidade da lu z.»     Contudo, há uma segunda razão, que resulta do facto de ele ter estado doente no inverno anterior, com uma doença que descreve como uma advertência da aproximação da velhice, daí a decisão de viajar:     « Não quero renunciar

O Menino de Cabul, Khaled Hosseini (Editorial Presença)

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Depois de várias tentativas falhadas - e, consequentemente, uma grande ausência no blogue - decidi-me a ler O Menino de Cabul , do mesmo autor de Mil Sóis Resplandecentes . E se gostei do primeiro, quase não tenho palavras para este. Foi um livro que me tocou como há muito não acontecia. É um livro duro, sobre segredos guardados a sete chaves que corroem as vidas dos que os guardam e também as dos que, desconhecendo-os, fazem parte desses segredos. O pano de fundo é a invasão soviética do Afeganistão e domínio talibã que se lhe seguiu. Amir vive desafogadamente com o seu pai cujo afeto luta por conquistar. Toda a sua infância é marcada por esta necessidade de se provar diante do seu Baba, que não compreende o filho nem se identifica com a sua sensibilidade. O maior amigo de Amir, Hassan, é o seu criado hazara, que vive também apenas com o pai numa cabana anexa à casa grande. O pai de Amir tem um grande carinho por Hassan e pelo seu pai, Ali, com quem, por sua vez, cresceu.

Este tempo, crónicas, Maria Judite de Carvalho (Caminho)

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     Mais um livro de crónicas. Uma antologia de crónicas de Maria Judite de Carvalho organizada e prefaciada por Ruth Navas e José Manuel Esteves e editada em 1991. As crónicas foram publicadas em diversos jornais e revistas entre 1968 e o princípio dos anos 80. Ao contrário do que estava à espera, as crónicas mantém-se atuais na sua grande maioria, quer quanto aos temas, quer quanto à abordagem feita. Acresce ainda uma escrita perfeita, cuidada, poética por vezes.    Nestas crónicas, Maria Judite de Carvalho escreve sobre diversos temas, como o turismo, a publicidade, a língua portuguesa, a televisão e os computadores. Muitas das crónicas são sobre Lisboa:   « Às vezes acontece passarmos por uma rua onde não passávamos há um, há dois anos, e onde havia um bonito prédio antigo, com loja, com gato à janela, com varanda florida, e já não há prédio, só remendo gritante, violento, deserto à noite .» (O Jornal, 16-3-84)     « Por isso fico triste quando encontro uma casinha antig

O fiel defunto, Germano Almeida (Caminho)

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     Encontrei este livro por acaso. Um dia quase à meia-noite, esperava pelo João no aeroporto e entrei na loja (tabacaria?) que vende revistas, jornais e também alguns livros. Quando aguardo a chegada de alguém no aeroporto, passo quase sempre por lá e folheio sobretudo os jornais e revistas. Mas, desta vez, este livro chamou-me a atenção, pelo autor, pelo título e também pela sobriedade da capa. Há muito que não leio um livro do Germano de Almeida. Li as primeiras páginas deste e, felizmente, não li a última.          Já me aconteceu ler as primeiras páginas de um livro e depois a última. Saber como um livro acaba não me dissuade de o ler. Mesmo se se tratar de um livro policial, porque não tento adivinhar quem matou, quem roubou, enfim, quem tem a culpa. O que me seduz na leitura é o percurso que é feito, as personagens, as relações que estabelecem entre elas, ou seja, o que está entre o princípio e o fim do livro, sendo que estas partes são um bom indicador sobre o interesse

Morte na Pérsia, Annemarie Schwarzenbach (Edições Tinta da China)

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    Primeiro livro desta autora de quem pouco conhecia. Foi-me emprestado pela Catarina , colega da disciplina Escrita de viagem. Talvez por estar à espera de um livro de viagens, senti alguma dificuldade no início da leitura. Mesmo depois de ter lido a Nota prévia que avisa que este livro trará pouca alegria ao leitor. Não o poderá consolar nem reconfortar, como muitas vezes os livros tristes sabem fazer, (...)      Só quando compreendi que a Pérsia funciona apenas como cenário para o profundo drama existencial que a autora vive, é que comecei a lê-lo com interesse e mesmo avidez. A sentir o que ela escreveu e absolutamente surpreendida pelo facto de ter sido escrito nos anos trinta do século passado (embora só tenha sido publicado em 1995) pelo arrojo que evidencia.      O livro poderia decorrer em qualquer outro lado que representasse o exílio, o afastamento, o desconhecido. O medo. (« O perigo tem diferentes nomes. Por vezes, chama-se simplesmente saudades de casa, outras ve

Isto e mais isto e mais isto, Luísa Costa Gomes (Editorial Notícias)

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    Leio regularmente crónicas, de diferentes autores e assuntos. Desde as crónicas escritas do António Lobo Antunes, Ricardo Araújo Pereira, Miguel Esteves Cardoso, António Guerreiro, às crónicas radiofónicas do Júlio Machado Vaz, apenas para citar alguns.  São, em regra, pequenas jóias literárias, curtas, muitas vezes sobre temas da atualidade. Dão para ler enquanto bebemos um café ou interrompemos a leitura de um livro. Ou mesmo no tempo de uma viagem de comboio. Gosto de crónicas, mesmo sabendo que alguns dos que as escrevem desdenham de quem as lê, por serem o que são, uma leitura simples e rápida.     Mas gostando de crónicas, nunca comprei ou li um livro de crónicas. Sempre achei que seria um exercício fastidioso ler de seguida cinquenta ou mais crónicas do mesmo autor, que foram escritas e publicadas ao longo do tempo, algumas  sobre os mesmos temas. Curiosamente, numa nota da editora sobre o livro é dito que os livros de crónicas têm vindo a ter enorme sucesso no nosso pa

Na vertigem da traição, Carlos Ademar (Parsifal)

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 Gosto de ler policiais, não pelo fascínio de descobrir antecipadamente o criminoso, mas pela trama que é tecida à volta do crime e da descoberta.      Já li outros livros deste autor, Carlos Ademar, e, particularmente no anterior, O Chalet das Cotovias , gostei das possibilidades em aberto relativamente a um crime cujo responsável nunca foi descoberto.     Também neste livro, como naqueloutro, não me pareceu que o autor receasse explorar o que não era factual, ou falhasse aqui, como em livros de outros autores, em que percebemos o que é verdade e o que foi  imaginado para colmatar os espaços em branco ou para reforçar a história que se quer contar.     A história, como consta na capa, é sobre Miguel Domingos, que foi encontrado morto num pinhal nos arredores de Lisboa, em 1951. Miguel Domingos era membro do Partido Comunista Português, vivia na clandestinidade e depois de ter estado na origem da revolta da Marinha Grande, viveu em Espanha e França, onde combateu contra Franco e

Textos de guerrilha, Luiz Pacheco (ler, editora)

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    Tenham sido as férias boas, tenham sido as férias más, no momento em que entramos no prédio, carregados de malas, abrimos a caixa do correio e nos caem contas em vez de cartas só nos apetece voltar para trás. Retroceder e fingir que não é connosco. Que ainda temos mais uns dias sem horas, sem transportes, sem aquela correria do dia a dia. Mas este ano, pelo menos este momento, foi diferente. Quando abri a caixa de correio, as contas estavam escondidas por um imenso envelope pardo onde descobri a letra inigualável da Cinda. Abro o envelope e encontro dentro os dois volumes dos Textos de Guerrilha, de Luiz Pacheco:     E a boa disposição prosseguiu com a leitura destes volumes. Apesar do tempo passado, ou mesmo por causa do tempo que passou, as histórias e as personagens que as povoam têm imensa graça ou surpreendem-nos. Desde o Solnado, ao Cesariny, passando pelo Almada, pela Natália Correia, mas também por políticos como o Maldonado Gonelha, o Vasco Gonçalves ou o Ramalho E

Babilónia, Yasmina Reza (Quetzal)

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  Conhecia esta autora apenas através do filme O Deus da Carnificina. No início das férias, comentava livros e autores com o meu irmão e apercebemo-nos que, embora os tivéssemos confundido inicialmente, estávamos a falar de autores diferentes. Enquanto ele falava de Yasmina Reza, eu falava de Yasmina Khadra e a conversa terminou com conselhos de leituras cruzadas. Poucos dias depois, quando visitava a Livraria de Santiago, em Óbidos , encontrei este livro que comprei e comecei a ler de seguida.     O início do livro lembrou-me muito o livro Mrs. Dalloway , de Virginia Woolf. Se em Mrs. Dalloway a ação decorre integralmente num dia, e à volta da preparação da festa que ocupa quase obsessivamente o pensamento de Clarissa Dalloway, também a primeira parte deste livro é ocupado com a preparação da festa da primavera, em casa de Elisabeth e Pierre, que nunca tinham feito nada do género, nem festa, nem convívio, muito menos de primavera. O que tinha começado por um pequeno jantar de amig

Fahrenheit 451, Ray Bradbury (Saída de emergência)

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  É raro ler livros de ficção científica. Não por qualquer preconceito relativamente a este tipo de livros, até porque sou uma aficcionada de livros policiais, considerado por muitos também um género menor de literatura, mas porque, em regra, não aprecio o ambiente em que decorrem.    Comecei, contudo, a encontrar referências a este livro, Fahrenheit 451, em referências feitas noutros livros ou por pessoas que o tinham lido e, ainda, na designação de uma revista brasileira sobre livros, que adotou o nome do livro, Fahrenheit 451.     Provavelmente tudo o que direi sobre o livro já foi dito e lido, a começar pelo título: Fahrenheit 451, corresponde a 233 o Celsius, e é a temperatura a que ardem os livros. Guy Montag, o protagonista, é bombeiro e o seu trabalho é queimar livros - todos os livros -, as casas onde se encontram e até, se se recusarem a sair, os respetivos habitantes. O livro começa desta forma:     « Era um prazer pôr fogo às coisas. Era um prazer especial vê-las a