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A mostrar mensagens de julho, 2019

A sonata de Kreutzer, Lev Tolstoi (Relógio d' Água)

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    Quando escreveu A sonata de Kreutzer , Lev Tolstoi já tinha escrito os que são considerados os grandes livros da sua vida,  Guerra e Paz (1869), Anna Karénina (1877) e A morte de Ivan Ilitch (1886), a que aquele se veio juntar. Apesar de ter apreciado muito esta obra é inquestionavelmente um livro escrito no período que corresponde à segunda fase da sua vida. Conforme refere Vadimir Nabokov, citado na badana, em « finais de setenta, já passado dos quarenta anos, a sua consciência triunfou: o ético ultrapassou o estético e o pessoal, e levou-o a sacrificar a felicidade da mulher, a pacífica vida familiar e a sublime carreira literária, em nome daquilo que considerava uma necessidade moral: viver de acordo com os princípios da moralidade racional cristã - a simples e austera vida da humanidade em geral, em vez da empolgante aventura da arte individual.»     Se n' A morte de Ivan Ilitch a reflexão - a interrogação  - é sobre a morte e a  vida, n' A sonata de Kreutzer

Bom Dia, Tristeza, Françoise Sagan (A casa dos Ceifeiros)

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        Dificilmente direi algo sobre este livro que não tenha sido já dito. A sensação que tive quando comecei a lê-lo foi que gostaria de o ter lido antes, provavelmente com a idade da Cécile (« Naquele Verão, tinha dezassete anos e era totalmente feliz.»)     Não quero com isto dizer que Bom dia, Tristeza seja um livro para jovens, bem pelo contrário , mas acho que se o lesse com essa idade teria uma compreensão mais completa dos estados de espírito de Cécile e, porventura, de mim própria. As flutuações de humor, a descoberta do outro e do amor e tudo o mais que acompanha essa idade entre a ainda infância e a quase idade adulta (« O amor abrigava-me a viver de olhos abertos, na Lua, amável e tranquila .», pg. 129).      No verão em que decorre a ação, Cécile, que tinha saído do colégio há dois anos, vive com o pai, que tem 40 anos e é viúvo desde os 25. O pai mudava de mulher de seis em seis meses e ela descreve-o como um homem bom, generoso e alegre. Vão de férias, juntam

O Dono do Segredo, Antonio Muñoz Molina (Caminho)

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     O Dono do Segredo é um livro delicioso. Lê-se de uma assentada, com o prazer acrescido da proximidade porque não só se passa na vizinha Espanha, num passado recente, mas também porque nós, o nosso país, faz parte da história. Aliás, o livro inicia-se com uma carta aos leitores portugueses escrita pelo autor, Antonio Muñoz Molina, aquando da edição portuguesa, e na qual refere:     "(...) Se eu não tivesse escrito este livro não saberia agora, ou não me recordaria, da importância que teve para mim, há mais de vinte anos, a notícia da Revolução de Abril, e do modo como as ideias mais sentimentais da minha adolescência sobre a liberdade perduram em mim associadas, e para sempre, a Portugal, às fotografias de carros de combate rodeados por multidões fervorosas, de soldados jovens com os punhos erguidos e cravos nas bocas das espingardas. (...) Em Setembro de 1973 Santiago do Chile tinha sido a nossa capital da dor; em Abril de 74 Lisboa converteu-se na capital da nossa al

Harry Potter e o Príncipe Misterioso, J. K. Rowling (Editorial Presença)

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    A primeira vez que li este livro (e esta foi apenas a segunda, ao contrário do que aconteceu com todos os volumes anteriores da saga Harry Potter) odiei-o. Não creio ser uma palavra exagerada. Fiquei desiludida, achei que era uma considerável diminuição da qualidade da história. Já não podia simplesmente imiscuir-me com os meus companheiros literários nas suas aventuras e desventuras por Hogwarts. E eu só podia viver aquele mundo através deles. Se estivessem preocupados com outras coisas, não podia aceder-lhe! Mas, como tem vindo a acontecer, desde que decidi ler a saga do princípio ao fim, desta vez foi diferente. Voltei àquela sensação de querer sempre saber o que se ia passar de seguida. Era intriga atrás de intriga e o equilíbrio perfeito entre história e ação.     O sexto ano de Harry Potter em Hogwarts começa logo com um estranho pedido de Dumbledore para que o aluno o acompanhe na visita a um amigo e antigo professor que o diretor quer convencer a voltar ao cargo, e

O domador de leões, Camilla Lackberg (D. Quixote)

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    Continuo a surpreender-me com a explosão dos livros policiais de autores nórdicos que, tenho a sensação, substituíram as escritoras britânicas, já com alguma idade e cabelos brancos que, entre chávenas de chá, imaginavam crimes e criminosos hediondos. Parece-me, porém, que nenhum crime nem criminoso inventado por elas chegava aos pés destes. Mas não é a maldade ou o horror do crime que faz um bom livro policial nem sequer o seu desfecho ou o suspense que o antecede. Para mim, que não tento sequer adivinhar o autor do crime, um bom livro policial é aquele em que vamos descobrindo lentamente as pistas que vão sendo plantadas parcimoniosamente, conduzindo-nos, como se estivéssemos na cabeça de quem investiga o crime, à descoberta do criminoso. Mas em que o mais importante é o motivo, a causa do crime.    Desta autora, é o terceiro livro que leio, depois d' A Ilha dos Espírito s e A Sombra da Sereia , e neles encontro a ideia do mal gratuito, sem razão aparente ou que o ju

O ano em que Pigafetta completou a circum-navegação, Luís Cardoso (sextante editora)

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     Confesso que não sabia quem era Pigafetta, mas o título induziu-me a procurar e fiquei a saber que era um nobre nascido em Vicenza, no final do século XV. Quando soube da expedição de Fernão de Magalhães, que partia à procura das ilhas Molucas, ofereceu-se para participar, e viajou desempenhando o papel de intérprete, cronista e cartógrafo. Três anos depois, apenas um navio regressou da que foi a primeira viagem de circum-navegação à volta do mundo. Ao contrário de Magalhães, Pigafetta sobreviveu, tendo escrito relatos sobre a viagem, o que o celebrizou até aos dias de hoje.     Luís Cardoso parte da ideia de que Pigafetta ficou retido em Timor, não tendo concluído a sua viagem de circum-navegação ao mundo que será mais tarde concluída, ou pelo menos desejada, por um timorense, albino, transexual, que usa o seu nome. Como se de alguma forma esta alteração da história de Pigafetta, ali parado, sem conseguir concluir a sua viagem, nos desse a ideia daquele povo, daquele país,

O Prodígio, Emma Donoghue (Porto Editora)

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    Já lá vão alguns anos desde que li o primeiro romance de Emma Donoghue, O Quarto de Jack , e me rendi à escrita, à profundidade e à história. Por isso, quando soube deste novo livro, O Prodígio , e li a contracapa, decidi no momento que teria de o ler também.    Numa pequena e remota aldeia da Irlanda do século XIX, após a  Grande Fome de 1845 a 1849, uma menina deixou de comer no seu décimo primeiro aniversários... quatro meses antes de Lib, uma enfermeira inglesa, treinada pela reconhecida Miss Nightingale, ser chamada para vigiar a menina. Lib não conhece o caso antes de chegar ao destino e revolta-se por ser chamada, juntamente com uma freira enfermeira irlandesa, para testemunharem o que o médico afirma categoricamente tratar-se de um milagre.    As enfermeiras devem montar um vigia, solicitada por um comité regional, a fim de confirmarem que, de facto, a menina sobrevive há mais de quatro meses sem ingerir qualquer alimento. Cética por natureza, Lib formula imediatamente