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A mostrar mensagens de dezembro, 2020

O que lemos em 2020

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      Surpreendentemente, a pandemia que nos fechou em casa, e que poderia ter proporcionado mais tempo para a leitura, teve o efeito contrário. Em 2020 lemos menos livros, como se a interrupção das nossas vidas não criasse o espaço necessário para preencher com a leitura. Mas os livros que lemos compensaram-nos das viagens que não pudemos fazer, passámos do Chile à Rússia, do Canadá a França, do Egito à China, passando pela Guatemala e por outros países e continentes. Como habitualmente, os escritores que mais lemos foram os de língua portuguesa. Descobrimos novos e redescobrimos antigos autores. Os menos livros que lemos em 2020, na sua maioria, deslumbraram-nos com as histórias, com as palavras e até, nalguns casos, com os conselhos que nos davam.     E como é dito, a dada altura no extraordinário livro de Martha Batalha “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”:      Afundava a cara nos livros e se perdia em histórias. Quando levantava a cabeça achava tudo muito horrível, e sumia

A vida invisível de Eurídice Gusmão, Martha Batalha (Porto Editora)

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     O primeiro  contacto que tive com A Vida Invisível de Eurídice Gusmão foi através deste cartaz, afixado  em vários locais, no Largo de  Santos, que anunciava o filme. Mais do que a imagem foi o título que me atraiu. Passado pouco tempo encontrei, por acaso, o livro na Livraria da Travessa.     Comprei-o para oferecer (sem sequer ter tempo de o ler antes de voltar a embrulhá-lo e oferecê-lo) e a amiga que o recebeu disse-me que tinha gostado muito. Pouco tempo depois vi o filme (ver trailer ). Extraordinário. Realizado por Karim Ainouz ganhou o prémio principal da Mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes de 2019. O filme não é uma mera adaptação do livro, mas a mensagem está lá. A vida invisível das mulheres. Como diz a Martha Batalha, no início:     "Mas o mais real deste livro está na vida das duas protagonistas, Eurídice e Guida. Elas ainda podem ser vistas por aí. (...) Eurídice  e Guida foram baseadas nas vidas das minhas e das suas avós."     E ainda que não as r

As Telefones, Djaimilia Pereira de Almeida (Relógio d'Água)

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         As Telefones foi encantamento às primeiras palavras, como já tinha acontecido com o anterior livro da Djaimilia, Luanda, Lisboa, Paraíso , e se ambos partilham a geografia, as relações familiares e a escrita poética, são no resto distintos. As Telefones é a história de uma mãe e uma filha, Filomena e Solange, que vivem separadas, mas é também a despedida da mãe. A filha vive em Lisboa, primeiro com uma tia e depois sozinha, enquanto a mãe permanece em Angola. Falam por telefone, são elas próprias telefones (« Os seus telefonemas não eram palavras, mas um sonho em andamento, cujo avesso era tudo que não contavam uma à outra. ..). São ambas narradoras, alternando-se, marcando pelo estilo de letra a autoria.     A filha cresce sem saber exatamente – sem se recordar - como é a mãe, ignorando por isso como ela própria será. As transformações por que ambas passam, tornam-nas desconhecidas a cada reencontro. O reconhecimento ou a estranheza quando se encontram («Só te deixo entrar em

Memórias do Subterrâneo, Fiódor Dostoievski (Relógio d'Água)

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     Memórias do Subterrâneo está dividido em duas partes: O Subterrâneo e Por Causa da Neve Húmida. Na primeira parte, o autor apresenta-se e, na segunda, surgem as suas memórias sobre alguns acontecimentos. Uma nota do Autor, logo no início, explica-nos que tanto o autor das Memórias como as próprias Memórias são fictícias, contudo, considera que pessoas como ele devem existir na nossa sociedade, embora sejam caracteres de um passado recente. Confesso que tive alguma dificuldade no início. Alguma estranheza. A leitura da parte inicial lembrava-me nalguns aspetos O Estrangeiro , de Camus, ou A Metamorfose de Kafka e li depois que foi inspirador destas obras:    “ Agora, meus senhores, quero contar-vos, queiram ouvir ou não queiram, por que razão eu não consegui tornar-me nem sequer um inseto. Digo-vos solenemente que muitas vezes desejei tornar-me um inseto. Mas nem isso mereci .”     O autor começa por falar sobre si próprio, interrogando-se e respondendo a questões que lhe são