Escritos Secretos, Sebastian Barry (Bertrand)

    Desde o momento em que comecei a ler este livro que só me apetecia apregoar o quão bem escrito está. Não é um livro para devorar; é um livro para saborear.
   Tinha algumas reservas de início pois uma amiga minha já o tinha lido e descreveu-o como "muito estranho". Eu adorei-o e sem dúvida que o recomendo.
    Roseanne McNulty, ou Roseanne Clear (nome de solteira) tem cerca de cem anos e encontra-se há mais de cinquenta num hospital psiquiátrico. O Dr. Grene, psiquiatra, é encarregue de avaliar os vários pacientes da instituição para determinar quais deles estão aptos para serem reintegrados na sociedade, contexto da iminente demolição do edifício que está praticamente em ruínas. Apenas os pacientes que, após avaliação, forem considerados inaptos serão transferidos para novas instalações.
    Ainda que compreendendo, apenas pelo olhar, o quanto Roseanne sofreu ao longo da sua vida, antes de ser internada, o Dr. Grene nunca antes tentara apurar os motivos do seu internamento. Quando começa a sua avaliação, tem uma grande dificuldade em obter respostas, começando a procurá-las por outros meios.
    Simultânea e secretamente, Roseane decide deixar um registo escrito da sua vida para alguém encontrar mais tarde.
    Vamos assim, aos poucos, conhecendo a sua história conturbada e linda e comovente, escrita de uma forma belíssima que me levou a "roubar" diversas passagens. A maior parte dessas passagens são hinos à vida, hinos que Roseanne canta a despeito das suas vivências que, podiam com toda a certeza tê-la tornado uma mulher amarga.

    A respeito do seu pai, que amava de todo o coração, Roseanne escreve:
    "A felicidade do meu pai não só o redimia, como também o levava ao encontro das histórias, e mantém-no, ainda agora, vivo dentro de mim, como uma segunda alma, mais paciente e mais agradável, dentro da minha pobre alma. Talvez aquela felicidade fosse peculiarmente infundada. Mas não poderá um homem fazer-se tão feliz quanto puder no caminho longo e estranho de uma vida? Penso que é legítimo. Afinal, o mundo é um belo lugar, e, se fôssemos outra criatura que não o homem, poderíamos viver perpetuamente felizes aqui."

   Quanto às próprias memórias:
    "Insondáveis. As profundezas. Pergunto-me se será essa a razão da dificuldade de as minhas memórias e fantasias se encontrarem bem lá no fundo, num mesmo lugar? Ou umas em cima das outras, como camadas de conchas e areia numa rocha calcária, de tal modo que se tornaram o mesmo elemento e não consigo distingui-las, a não ser olhando de perto, muito de perto?
    E é por isso que tenho tanto receio de falar com o Dr. Grene, não lhe quero dar apenas fantasias.
    Fantasias. Uma bela palavra para dizer catástrofe e engano."

Comentários

  1. Uma das razões pelas quais iniciei este blog resultou da perceção do esquecimento a que os livros são votados alguns anos depis de lidos. Mesmo os que nos marcaram, cuja leitura nos prendeu e que acreditamos que através da alquimia resultante dessa paixão, permanecerão nas nossas memórias, desvanecem-se ao fim de algum tempo. Foi o que aconteceu com este livro. A Sofia comprou-o e deixou-o na estante sem o ler imediatamente. Eu li-o então. Agora, depois de a Sofia o ler apaixonadamente, eu já não sabia se o tinha lido de facto ou se o conhecia da leitura do resumo na contracapa. Mas de repente não me lembrava do "segredo chocante" pelo que me decidi a lê-lo, relê-lo, verdadeiramente. E mal iniciei a leitura lembrei-me imediatamente da história mas não parei de ler porque a escrita é belíssima e ararsta-nos endo indiferente o facto de conhecermos de antemão o seu desfecho.
    E porque se trata de um livro assente em memórias roubei esta frase:
    Suponho que a memória, quando negligenciada, se torna uma espécie de quarto de arrumações ou um quarto cheio de tralha numa casa velha, com coisas espalhadas por todo o lado, talvez não só por desleixo, mas também porque se vai lá remexer ao acaso, atirando objectos para lugares a que eles não pertencem.

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  2. A tua memória então é um sótão cheio de tralha e pó e onde nunca encontras absolutamente nada!!!

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  3. Fui ontem ver o filme Escritos secretos. Uma interpretação extraordinária da actriz principal Vanessa Redgrave numa narrativa não tão perfeita.De qualquer forma, pela história e pela interpretação vale a pena ver.

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