Os Cães e os Lobos, Irène Némirovsky (Relógio d'Água)
Sendo os seres humanos moldados por um conjunto de fatores, de que a religião não é o menos relevante, há uma necessidade constante da Autora de explicar como eram (são?) os judeus. Confesso que em certas passagens, quase que conseguia imaginar o Woody Allen como narrador, como esta:
"O pai de Ada ia à Sinagoga de vez em quando, como quem se vai encontrar com um capitalista que, se quisesse, nos poderia ajudar nos negócios ou mesmo tirar-nos da pobreza para resto da vida. No entanto, como tem muitos protegidos, muito pedinchões, e apesar de ser realmente muito rico, muito grande, muito poderoso, não se pode interessar por nós, pobres e humildes criaturas... Contudo, podemos sempre bater-lhe à porta... Porque não? Pode ser que repare em nós..." (pg. 31)
Para além da história de Ada, o romance é muito rico na descrição das personagens, das suas atitudes e motivações. Da forma como reagem:
"Tinha tido uma educação esmerada e sabia que a dor e o despeito não se deviam exprimir com imprecações ou gritos; no entanto, pertencia a uma classe social inferior à das cunhadas, pois só era rica há duas gerações, e não há três como os Sinner. Ainda não tinha aprendido a revelar o sofrimento como elas o conseguiam fazer, apenas com um tremor dos lábios ou com um gesto altaneiro da cabeça. A cunhada mais velha era muito considerada na família por ter aceitado o golpe recebido pela morte de um irmão muito querido apenas com um único gesto: tinha inclinado a testa, como se estivesse a rezar e, em seguida, levantou os olhos para o céu, expressando assim, sem uma palavra, a sua resignação perante os desígnios da Providência Divina, o seu desgosto sincero e a sua esmerada educação." (pg. 89)
O título resulta do facto de Ben, o primo de Ada, e Harry, o familiar distante por quem ela se apaixona, serem muito parecidos fisicamente, mas diferentes em tudo mais: "Como se parecem o cão e o lobo."
Um romance inesquecível.
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