Jerusalém, Gonçalo M. Tavares (Caminho, O Campo da Palavra)

    Deste livro e do seu autor disse José Saramago no discurso de atribuição do Prémio: "Gonçalo M.Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater".
    É um livro denso e difícil mas muito bem escrito, não há palavras a mais ou desperdiçadas. Apenas as palavras necessárias.
    A época e a localização da acção só podem ser intuídas e remetem-nos para um país europeu (Alemanha, porventura) no pós segunda guerra mundial.
    Há alguma misoginia nas personagens quase todas masculinas: Theodor Busbeck, médico e investigador, filho de Thomas, político; Hinnerk, ex-combatente, Gomperez Rulrich, Director do hospício; Krauss, advogado e amigo de Theodor; Gothjeres, ginecologista; Ernst Spengler, esquizofrénico e Kaas, deficiente, filho de Mylia e Ernst mas perfilhado por Theodor.
    As personagens femininas são apenas Mylia, esquizofrénica e Hanna, prostituta. Uma sem profissão e a outra com a designada mais velha profissão do mundo. A primeira é descrita como sendo de uma beleza quase violenta, contrastando com Hanna, já decadente.
    Estas personagens vão desfilando em círculos até à coincidência da noite em que Theodor sai de casa à procura de uma prostituta e encontra Hanna, e Hinnerk sai à procura de satisfazer o seu desejo carnal com um rapaz e termina por matar Kaas. Nessa mesma noite, Hinnerk conhece Mylia e Ernst e é morto por este último numa espécie de vingança inconsciente perpetrada pelo pai da criança e assumida pela mãe, que se acusa.
    O livro fala do mal, de Deus e da loucura duma forma obsessiva. É Theodor que junta estes elementos ao investigar o mal - quer saber se o mal está a aumentar, a diminuir ou se se repete ciclicamente - e receava o que aconteceria se conseguisse entrar na cabeça do horror e com este conseguisse dialogar. Receava também a sua capacidade para perceber os loucos. "Os homens normais não sabem que tudo é possível". Simultaneamente, considera que um homem que não procura Deus é louco.
    A frase que dá o nome ao livro (ou pelo menos é a única referência que é feita a Jerusalém, é extraída da Bíblia: "se eu me esquecer de ti, Jerusalém, que seque a minha mão direita". Mais à frente dirá Mylia "Se eu me esquecer de ti, Georg Rosemberg (nome do hospício onde esteve internada) que seque a minha mão direita".
    Quando se encontra com Ernst, Mylia comenta que as mãos direitas de ambos não secaram.
    Não esqueceram o hospício nem Jerusalém...

***

Comentários

  1. Este está no meu Top 5.
    Parabéns pelo blog, o qual a partir de hoje vou seguir.

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  2. Muito bom!! Fiquei com bastante curiosidade :)

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