Granta Portugal - 1 (1)


    Só em setembro assinei e recebi o primeiro número da Granta. Gostei muito da edição, da capa, da paginação, dos separadores, das fotografias - de Daniel Blaufuks - e da maioria dos textos. A vantagem de se tratar de uma revista é que, quando não nos apetece ler um texto, basta-nos virar algumas páginas. Sem culpa.
    A minha única dúvida foi se o nível se manteria nos próximos númeross. Já recebi a Granta Portugal 2 e esse receio dissipou-se. Algumas notas sobre os textos que li:

  "Em busca d'eus desconhecidos" - Dulce Maria Cardoso, sob esse título equívoco, divaga sobre a identidade, a loucura, o coração. Uma sensação cúmplice a abrir, também quando criança desejava - imaginava-me - a fumar. O gesto seduzia-me ou, pensava, seduzia quem o via.
    Outra ideia que partilho: adoecer fecha-nos mais sobre nós próprios, tornamo-nos menos capazes de compor as máscaras com que nos escondemos.
   
    "À medida que fomos recuperando a mãe" - Valério Romão escreveu um conto altamente perturbador sobre como uma família, com filhos rapazes menores, se recompõe após a morte da mãe. De dia cuidávamos de ser apenas os sobreviventes cada vez mais maduros do desastre que é perder uma mãe e de noite reiventávamo-nos, especialmente o meu pai e o meu irmão, e naqueles papéis víviamos duas vidas distintas, hermeticamente seladas, como personagens em trânsito entre cenários e peças.
     
    "Intervencionados" - Hélia Correia começa por, aparentemente divagar, justificando-se a dado momento: Pensais que estou perdida, mas não estou. O tema é "eu" e "eu" está em toda a parte. Por isso mais que em outra temática qualquer, posso entregar-me ao luxo da deriva. Pelos acasos da ondulação partindo da velhice fomos dar à impostura e à segunda vida que são o verdadeiro dom literário.
    E é assim que das mulheres com o rosto assinalado pela menopausa que já não eram fêmeas, passamos para Laura, que se mantém fisicamente jovem, através de cirurgias, e a quem o marido deseja o corpo mas não o toca. A punição por mexer com o envelhecimento, reserva-lhe o mesmo destino. Uma visão dura. Inclemente.
    
    "Mar Negro" - Ricardo Felner.  Gostei deste conto, passado entre receitas, cozinhas, filhas e amores. Um autor a seguir, desde já através do seu blogue "O homem que comia tudo". 

    "Esboço para um livro" - Ryszard Kapuscinski. Este conto decorre num registo totalmente diferente dos restantes. A frase que antecede o conto ilustra-o "nous qui avons souffert dans notre coeur de l'oppression colonialiste, nous vous le disons tout cela est désormais fini". A  ação decorre em 1960, em África, na altura da declaração de independência do Congo e acompanha Lumumba, desde a independência deste país até à sua morte. Impressionante a menção que faz a dado momento de que não há nenhum nome conhecido em todo o mundo a emergir do passado africano.

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