A acompanhadora, Nina Berbérova (Biblioteca Ambar de Bolso)
Sempre que vou de férias, por poucos dias que sejam e ainda
que prevendo que não me sobrará muito tempo para o solitário prazer da leitura,
pego em vários livros na convicção de que os conseguirei ler todos. Este livro, A
acompanhadora, estava na minha mesinha de cabeceira já há muito tempo (terá
sido o Diogo que mo ofereceu?) mas ainda não o tinha lido. Foi um dos livros
que trouxe para a Foz do Arelho e que li numa tarde surpreendentemente solarenga.
A acompanhadora, Sónetchka, era filha de uma professora de
música, solteira e de um aluno dela, muito mais novo, que nunca chegou a
conhecer. De acordo com a sua descrição não
era nem inteligente nem bonita; não tinha vestidos caros nem um talento
notável. Em suma, não representava nada.
Depois de concluir o Conservatório e de alguns trabalhos
esporádicos, um amigo, Mitenka apresenta-a a Maria Nikoláevna Trávina, cantora,
que procurava uma acompanhadora, para sempre e que a acompanhasse possivelmente
para o estrangeiro. A ação decorre durante os anos da revolução russa o que
condiciona inevitavelmente a interpretação que é feita do livro que se centra
na relação entre ambas. Na contracapa a relação de ambas é descrita como “soldada pela magia da música mas não imune
ao surdo antagonismo das classes sociais”.
Embora Sónetchka fique deslumbrada com a riqueza da cantora
e do seu marido e inveje o protagonismo dela que a relega sempre para a sombra,
há algo mais profundo, um imenso mau estar com ela própria que a impede de ser
feliz. Mesmo a relação com a mãe é complicada e marcada pela vergonha de ser
bastarda, filha de mãe solteira (compreendia que a
minha mãe era a minha vergonha, assim como eu era a vergonha dela. E toda a
nossa vida era uma irreparável vergonha.). E a relação com a cantora é
vivida numa ambivalência, em que por um lado se deslumbra com a alegria dela,
com a sua amizade, com a vida que ostenta e que de alguma forma partilha, mas
por outro lado há uma tentativa constante de a destruir, sabendo, contudo, que a
destruição da cantora a arrastará também.
Surpreendentemente a cantora mantém-se alegre mesmo perante adversidade que tem de enfrentar e nunca percebe o antagonismo que lhe dedica Sónetchka que conclui que “Há pessoas
assim. Têm uma espécie de magnificência. Ao lado delas sentimos um pouco de
medo (…) Raramente alguma coisa as pode modificar, mutilar (isto supondo que
todos os restantes somos mutilados)…. Não consigo exprimi-lo: uma pessoa feliz,
vive como que acima de todos (e esmaga-os um pouco, é claro). E nem sequer
temos de lho perdoar, porque isso para ela é como a saúde, como a beleza.”
Uma leitura surpreendente e que resistiu ao tempo.
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