Índice médio de felicidade, David Machado (D. Quixote)

    Um livro surpreendente, pela abordagem, pela narrativa, pelas personagens, mas que resulta. Prende-nos desde o princípio e embora nos sintamos compelidos a lê-lo,  receamos o pior. Isto é, tememos que ainda possa piorar.
    Daniel, o protagonista principal, narra a história na forma de um diálogo com o seu melhor amigo Almodôvar, que está preso e que se recusa a receber visitas. Xavier, amigo de ambos, sofre de uma forte depressão e está trancado em casa há muito tempo. Daniel trabalhou vários anos numa agência de viagens que terminou por fechar as portas e está desempregado. Recusa seguir a mulher e os filhos para Viana do Castelo onde esta vive com os sogros e com os filhos de ambos, porque fazê-lo seria perder a esperança em voltar a ter uma vida normal: uma casa, um carro, um emprego.. 
    Os capítulos são designados pelo índice médio de felicidade de Daniel e pelos países que têm esse mesmo valor (com exceção do último). Xavier, que Daniel considera o homem mais infeliz da cidade, embora pense que a maior parte das pessoas não percebe nada de felicidade, tem 149 países listados pelo índice médio de felicidade que se baseia num questionário com uma única pergunta: Numa escala de 0 a 10, quão satisfeito se sente com a vida no seu todo? e considera que as pessoas deveriam mudar-se para o país que apresenta o mesmo índice de felicidade, pois desta forma sentir-se-ão mais integrados. 
    Embora descrente, Daniel vai respondendo continuamente a esta questão que posa a si próprio e aos filhos. Daniel vai adiando a inevitável partida porque é chamado a intervir e a ajudar o seu velho professor, Ávila, e depois o filho do Almodôvar. No meio deste remoinho sente que vai perdendo o contacto dos filhos e que estes se encontram perdidos e desmotivados
   Xavier participa ainda num blogue pensado por Almodôvar, que na sua génese uniu os três, e que visava construir uma rede de entreajuda e quando já não acreditavam que alguém verdadeiramente necessitado recorresse surge o pedido de uma portuguesa, residente na Suíça, paraplégica que precisa de ajuda para ir visitar o irmão que está em coma, num hospital em Marselha. E se esta viagem pode pôr em risco a única oportunidade de emprego que Daniel recebeu, leva o Xavier a sair de casa, junta os filhos a Daniel e permite que o filho do Almodôvar se afaste das más companhias,  terminando por ser redentora para os que nela participam (E não tenho medo, Almodôvar, continuo a acreditar, a vida ainda é como sempre foi. Apesar de tudo, os dias deste mundo ainda são feitos de luz e o escuro da noite continua a meter medo. E nós ainda aqui estamos, Almodôvar.)
    O livro é um retrato do nosso país. Um retrato nosso, da nossa vida, agora e aqui. Assustador por isso. Pelas interrogações que deixa. Mas importa salientar a abordagem feita, que ignora causas, política e políticos, economia e dados estatísticos, com execção dos relativos à felicidade, mas que é porventura por isso mesmo mais violento no retrato que nos deixa. Sentimo-nos sempre à beira do abismo, com receio que piore ainda mais. As coisas correm mal mas podem ainda ser piores e por isso sentimos algum alívio quando acabamos de ler e percebemos que afinal não foi assim.
    A escrita é fluida e coloquial mas tem momentos muito bons:
    Só que não deveria ser assim, Almodôvar, não deveríamos precisar de dias maus para dar valor aos bons, essa alegria deveria existir sempre, não apenas nos momentos de alívio. Mas estamos condenados por esta obsessão em relativizar tudo. Aqui e agora nunca são suficientes, travamos uma luta contínua, impossível de resolver, porque não aceitamos menos, porque queremos sempre mais.

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