A rapariga no comboio, Paula Hawkins (Topseller, Editora 20|20)

    Quando um livro se torna bestseller pouco tempo depois da publicação, há sempre aquela curiosidade que nos impele a olhar para ele de cada vez que passamos numa livraria. Ainda assim, eu, pelo menos, tenho sempre um certo receio que seja um daqueles livros escritos com uma "receita-sucesso" mas sem grande arte.
    Este romance despertou-me o interesse desde cedo, por ser falado, mas também porque a própria leitura da contracapa me aguçou os sentidos. Como não o li durante o boom do seu sucesso, ouvi e vi, como não podia deixar de ser, opiniões contraditória, mas maioritariamente "Não é assim tão espetacular". Por isso, inevitavelmente, as minha expectativas baixaram. Talvez por isso e porque a história é completamente diferente daquilo que o resumo me sugeria, gostei muito do livro.
    O livro é escrito a três vozes: a da Rachel, a da Megan e a da Anna, mas a personagem principal é sem dúvida a Rachel.
    A Rachel é uma mulher que atingiu o fundo do poço: outrora lançada na carreira, vistosa e com um casamento feliz, começa a beber ao perceber que não consegue ter filhos. Rapidamente o seu mundo desmorona, seguido do casamento, quando descobre que o marido a trai com Anna. Impossibilitada de comprar a metade da casa de Tom, o marido, vai viver para casa de ma ex-colega de faculdade, Cathy. Mais tarde, é despedida por aparecer ébria no trabalho e perder um cliente muito relevante para a empresa. Para ocultar este facto de Cathy, a fim de a não preocupar com a questão da renda, enceta todos os dias a viagem que antes fazia para o trabalho, uma viagem de cerca de uma hora de ida e um pouco mais de regresso. Nessas viagens diária, Rachel gosta de observar as casas à beira da linha e de imaginar a vida dos seus habitantes, particularmente um casal que batizou de Jason e Jess - na realidade, Scott e Megan - que considera o casal perfeito. Até que uma sexta-feira vê a Megan a beijar um homem que não é o Scott e, depois de um fim de semana em branco por causa da bebida, descobre que Megan está desaparecida desde sábado.
    Assombrada pela falta de memória no dia em que a Megan desapareceu e pelo que viu, Rachel sente-se impelida a contribuir para a investigação, envolvendo-se a um nível que não conseguiria prever.
    De vez em quando, ocorre-me que ela deve estar viva e feliz, sentada na varanda de um hotel com vista para o mar, os pés em cima da mesa e uma bebida gelada na mão.
    A ideia empolga-me e desaponta-me, mas depois sinto-me horrível por ficar desapontada. Não, não lhe quer mal por muito que me tenha zangado com ela por enganar o Scott, por destroçar as minhas próprias ilusões sobre o casal perfeito. Fico desapontada, apenas porque agora sinto que faço parte do mistério, que estou ligada a alguma coisa. Já não sou apenas uma rapariga no comboio, a andar para trás e para a frente, sem qualquer objetivo ou destino. Quero que a Megan apareça sã e salva, a sério que sim. Mas não já.
    Devorei o livro e custou-me pousá-lo. Mesmo agora que já passaram uns dias ainda não me sinto completamente fora da história. E apesar de querermos saber o que aconteceu à Megan, acho que ficamos a torcer verdadeiramente para a Rachel se endireitar e voltar a viver. Ela é a anti-heroína que queremos ver florescer.

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