Contacto, Carl Sagan (Gradiva Bolso)

    As primeiras horas de 2016 foram passadas a ver - pela primeira vez - o filme "Contacto". Gostei muito do filme e fiquei curiosa quanto ao livro. Nunca tinha lido nada de Carl Sagan. Livro e filme têm muitos pontos em comum, mas também algumas discrepâncias. Claro que o livro é muito mais detalhado e complexo. Se isso já é verdade para a generalidade dos livros, quando comparados com os filmes a que dão origem, neste caso já previa que a leitura seria essencial para perceber melhor determinados conceitos abordados no filme. Se por um lado isso aconteceu, por outro houve parágrafos inteiros que, para mim, poderiam estar escritos em japonês, que a minha compreensão do que acabara de ler seria igual.
    Uma das coisas que mais me cativou no romance foi a maneira como Ellie é descrita; a proagonista é uma mulher num mundo de homens que é a Física (mais ainda há uns anos, quando o romance foi escrito), e tem de batalhar muito para ganhar credibilidade, ao mesmo tempo que mantém a sua feminilidade e anseia por ser amada.

    Ellie estava razoavelmente convencida de que as suas observações não eram inteiramente idiotas e não desejava ser ignorada, e muito menos ignorada e tratada com condescendência, alternadamente. Sabia que parte do que sucedia - mas apenas parte - se devia à suavidade da sua voz. Aperfeiçoou uma voz de física, uma voz profissional: clara, competente e muitos decibéis acima do tom de conversa social.

    Numa época em que muitas das suas contemporâneas optavam por vestuário informe que minimizava as distinções entre os sexos, ela aspirava a uma elegância e simplicidade de vestuário e maquilhagem que a obrigavam a «esticar» o seu orçamento limitado. Havia maneiras mais eficazes de fazer afirmações políticas, pensava.

    No livro, ela começa a fazer pesquisa de padrões estranhos, em busca de vida extraterrestre, por intermédio de um colega do doutoramento, Peter Valerian, e para desagrado do seu supervisor, Dave Drumlin. Mas Ellie consegue captar um sinal por radiofrequência, um sinal que emite uma sequência de números primos que contêm uma passagem do discurso de Hitler nos Jogos Olímpicos de 1936 e, mais fundo, um manual de instruções para a construção de uma máquina cuja função não é explicada. A notícia da Mensagem corre o mundo e levanta todo o tipo de opiniões, medos e obsessões, tanto mais que esta Mensagem chega à Terra no virar do milénio. Surgem novas religiões, novas paranóias, novos vigaristas. E o mundo debate a veracidade da Mensagem e o que fazer relativamente a ela.

    Recebemos um convite. Um convite muito fora do vulgar. Talvez seja para irmos a um banquete. A Terra nunca foi convidada para um banquete antes. Seria descortês recusar.

    Não, não penso que nós sejamos a experiência. Penso que somos o controle, o planeta pelo qual ninguém se interessou, o lugar onde ninguém interveio. Um mundo de calibração que se deteriorou. É isso que acontece se eles não intervêm. A Terra é uma lição objetiva para os deuses-aprendizes (...). Mas, claro, seria um desperdício deixar destruir um mundo perfeitamente bom. Por isso, nos dão uma espreitadela de vez em quando, pelo sim, pelo não. (....)
     Estão preocupados connosco. Compreendem que estamos numa vertente a descer. Pensam que devemos ter pressa de ser consertados. E eu penso o mesmo. Temos de construir a Máquina.

    Sagan teve o cuidado de explorar questões muito para lá da física e metafísica, como a eterna querela  Deus versus Ciência, o nosso papel no mundo e no Universo, o amor. É um livro fascinante por todos os temas que aborda, mas que, a nível literário, tem algumas falhas. Ainda assim, vale a pena ler, para aqueles que gostem destes temas.


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