Babilónia, Yasmina Reza (Quetzal)

Yasmina Reza @ Clube de Leituras
  Conhecia esta autora apenas através do filme O Deus da Carnificina. No início das férias, comentava livros e autores com o meu irmão e apercebemo-nos que, embora os tivéssemos confundido inicialmente, estávamos a falar de autores diferentes. Enquanto ele falava de Yasmina Reza, eu falava de Yasmina Khadra e a conversa terminou com conselhos de leituras cruzadas. Poucos dias depois, quando visitava a Livraria de Santiago, em Óbidos, encontrei este livro que comprei e comecei a ler de seguida.
    O início do livro lembrou-me muito o livro Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf. Se em Mrs. Dalloway a ação decorre integralmente num dia, e à volta da preparação da festa que ocupa quase obsessivamente o pensamento de Clarissa Dalloway, também a primeira parte deste livro é ocupado com a preparação da festa da primavera, em casa de Elisabeth e Pierre, que nunca tinham feito nada do género, nem festa, nem convívio, muito menos de primavera. O que tinha começado por um pequeno jantar de amigos foi-se alargando a cerca de 40 pessoas.
    «Arrependi-me na hora. Naquela noite não preguei olho. Onde iria sentar aquela gente? Tínhamos sete cadeiras contando com o cadeirão marroquino. (...) Quanto aos copos...Durante a noite levantei-me para ir contar quantos copos tínhamos. Trinta e cinco mais ou menos díspares. Mais seis copos de champanhe de outro armário».

     O mais fascinante, contudo, é a fluência do pensamento da narradora,  Elisabeth, que vai passando de uma ideia a outra, desde a recente morte da mãe, aos vizinhos, a recordações da infância, ao receio quanto ao envelhecimento:

   «A mulher tem de ser jovial. Contrariamente ao homem, que pode entregar-se ao desânimo e à melancolia. A partir de uma certa idade, a mulher está condenada ao bom humor. Quando ficas de trombas aos vinte anos és sexy, aos sessenta és uma chata.»

   A passagem  do tempo é igualmente um tema quase obsessivamente presente:

  «Tu também avanças na idade como todos aqueles que conheces, e senti que fazia parte de uma multidão errante, de mãos dadas, avançando na idade para o desconhecido.»

    Quase nos sentimos dentro da cabeça dela, na vertigem dos pensamentos que a ocupam, sem qualquer ordem, e que ela vai transpondo para o papel da mesma forma. No meio dos preparativos para a festa e das suas reminiscências, vai falando dos convidados que virão à festa, sobretudo dos vizinhos, o casal Manoscrivi.
     E é com este casal, diferente dos outros convidados presentes, que as coisas se descontrolam já depois de terem saído da festa. Quase como se uma faísca, quase imperceptível aos olhos dos outros, conseguisse atear um fogo. Saímos da cabeça da Elisabeth para acompanhar o que se passa e as decisões que são tomadas face aos acontecimentos.
     Embora não tenha lido O Deus da carnificina - só vi o filme - senti que havia alguma similitude: um encontro entre pessoas que se inicia cordatamente mas que, a dada altura, quase inexplicavelmente, as coisas descontrolam-se. Pessoas normais, os nosso vizinhos, amigos, colegas, nós mesmo, podemos perder o controlo de uma forma irreversível. Um pouco assustador.

    Uma palavra final para a edição que é muito cuidada e lindíssima. No debate livros em papel versus livro eletrónico, esta edição da Quetzal é claramente um argumento favorável aos primeiros, desde a capa à letra, às badanas, à nota final sobre a autora e a tradutora. Até ao pormenor do copo abandonado,  deitado que aparece no princípio do livro e na contracapa.

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