Na vertigem da traição, Carlos Ademar (Parsifal)

Carlos Ademar @ Clube de Leituras Gosto de ler policiais, não pelo fascínio de descobrir antecipadamente o criminoso, mas pela trama que é tecida à volta do crime e da descoberta. 
    Já li outros livros deste autor, Carlos Ademar, e, particularmente no anterior, O Chalet das Cotovias, gostei das possibilidades em aberto relativamente a um crime cujo responsável nunca foi descoberto.
    Também neste livro, como naqueloutro, não me pareceu que o autor receasse explorar o que não era factual, ou falhasse aqui, como em livros de outros autores, em que percebemos o que é verdade e o que foi  imaginado para colmatar os espaços em branco ou para reforçar a história que se quer contar.
    A história, como consta na capa, é sobre Miguel Domingos, que foi encontrado morto num pinhal nos arredores de Lisboa, em 1951. Miguel Domingos era membro do Partido Comunista Português, vivia na clandestinidade e depois de ter estado na origem da revolta da Marinha Grande, viveu em Espanha e França, onde combateu contra Franco e Hitler. Em 1949 foi afastado do Comité Central e caiu em desgraça. Quando o cadáver é descoberto, mesmo os seus irmãos têm dificuldade em identificá-lo, o que adensa o mistério.
    E a história de Miguel Domingos e os anos que antecederam a sua morte são o pretexto para uma viagem pela história da Europa e sobretudo de Portugal na primeira metade do século XX. Para um continente em guerra e com fronteiras vigiadas e um país pobre e onde imperava a censura e a polícia política. E é justamente aqui que, em meu entender, o autor se estende e alonga em demasia, o que é, contudo, justificado pela necessidade de contextualizar o momento político que se vivia.
    Não me recordo se a personagem central, Inspetor Guimarães, da PJ, já aparecia n' O Chalet das cotovias, mas é uma personagem cuja humanidade e integridade toca o leitor. São dele estes pensamentos:

    «Enquanto a conversa se desenrolava , os pensamentos levavam-no para uma casa modesta e escura, em Belas, habitada por aquele homem de aparência rude, mas cheio de humanidade, e por uma menina pequena, dando por ele a refletir no dia-a-dia daquela criança, nas muitas horas que tivera de passar sozinha enquanto o pai ia trabalhar. (...) Esta história e muitas outras entranhavam-se-lhe na pele e acompanhavam-no para onde quer que fosse, emergindo sem que ele fizesse por isso. (...) Pudera, as histórias raramente eram arrumadas nas prateleiras do esquecimento, vadiavam pelos becos por onde correm as ideias, mostrando-se a espaços, remoendo-lhe as entranhas e impedindo-o de atingir a tranquilidade de espírito que toca aos que têm as prateleiras do esquecimento a abarrotar.»

***

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)