Viagens com o Charley, John Steinbeck (Livros do Brasil)

John Steinbeck @ Clube de Leituras
  Este livro foi sugerido pela Catarina para um trabalho da disciplina Escrita de viagem e adorei lê-lo. Há muito que não lia um livro do Steinbeck, mas a escrita dele, rápida, despretensiosa e ao mesmo tempo tão rica, prende-nos desde o princípio.
    De acordo com a contracapa, «a bordo de uma camioneta a que chamou Rocinante, tendo apenas como companhia o cão-d'água Charley, partiu numa viagem de mais de três meses do Maine à Califórnia», e a causa e o  objeto da viagem são mencionados logo no início:
    «Por conseguinte, descobri que não conheço o meu próprio país [...]. Não ouvira falar da América, não cheirara a sua erva, as suas árvores e as sua imundície, não vira as suas colinas nem as suas águas, a sua cor e a qualidade da luz.»
    Contudo, há uma segunda razão, que resulta do facto de ele ter estado doente no inverno anterior, com uma doença que descreve como uma advertência da aproximação da velhice, daí a decisão de viajar:
    «Não quero renunciar à impetuosidade por um pequeno ganho em tempo de vida. [...] Não quero trocar, na minha própria vida, a qualidade pela quantidade.»
     Começa por fazer uma série de reflexões sobre a preparação das viagens:
    «Descobrimos após anos de luta que não escolhemos uma viagem; a viagem é que nos escolhe a nós», ou «Creio que há no planeamento de uma viagem a longo prazo uma convicção íntima de que a mesma não se realizará», ou ainda «Pergunto a mim mesmo porque será que quando planeio uma viagem muito cuidadosamente ela se desfaz em pedaços, enquanto, se vou cambaleando por aí além numa ignorância bem-aventurada, seguindo uma direção de fantasia, chego onde pretendo sem dificuldade».
    Curiosamente faz a maior parte do percurso sem procurar falar com pessoas, isolando-se até: «Sentei-me na cama e caí numa monotonia cinzenta. Porque pensara que podia aprender alguma coisa  a respeito do país? Nas últimas centenas de milhas evitara as pessoas.» E é depois desta reflexão que passa a interagir mais. Apesar de serem  os últimos capítulos que me pareceram mais interessantes, justamente pelos diálogos com os outros, os capítulos precedentes não deixam de cativar, lançando um conjunto de reflexões sobre o regresso à terra, ao lugar onde cresceu(mos), o progresso versus tradição, a solidão e até mesmo a depressão («Uma alma triste pode matar-nos mais depressa do que um micróbio»).
    Mesmo as observações que faz sobre o país e os americanos relativiza-os «mas os nossos olhos da manhã descrevem um mundo diferente do que descrevem os nossos olhos da tarde».
    Os últimos capítulos, passados no sul, abordam a questão do racismo de uma forma que, mesmo à distância do tempo, não deixa de nos impressionar.
     Mais do que o relato da viagem, o mais interessante no livro são as reflexões que faz sobre o seu dia a dia, o desejo de viajar, a solidão e finalmente, o enorme desejo de regressar.
        
    Uma palavra final para o Charley, o cão d'água que o acompanha na viagem e que desempenha várias funções, companheiro, segurança e facilitador porque, como Steinbeck refere, muitas conversas no caminho começaram com uma pergunta sobre a  raça do cão.


    E, já agora, se tivesse sido inventada esta viagem ou, pelo menos, a maneira como decorreu, o livro teria menos interesse?

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