Curvas Ideais, Relações Desconhecidas e outras histórias da Matemática, Jorge Buescu (Gradiva)
Regressei a
um género de que gosto muito, mas a que não dou a atenção devida, pelo menos
de forma mais sistemática, a «divulgação científica (ou originais clássicos).
Deveu-se este regresso à compilação de crónicas publicadas por Jorge Buescu na
revista Ingenium (a origem da maioria delas, segundo o próprio autor), trazida
a público pela Gradiva (2 edições, a primeira em novembro de 2018 e a segunda
em dezembro do mesmo ano!) sob o título
Curvas Ideais, Relações Desconhecidas.
Ao alinhar estas impressões preparei
algumas referências sobre as minhas últimas incursões neste domínio,
nomeadamente O Último Teorema de Fermat de Amir D. Aczel (já há alguns anos)
e, mais recentemente, Como Mentir com a Estatística, de Darrel Huff (para não
me esquecer de como somos manipulados todos os dias em frente ao pequeno ecrã), e Godel, Escher, Bach-Laços Eternos, de Douglas R. Hofstadter, na
sequência da Exposição de Escher em Lisboa, onde estava exposto, pelo meu
fascínio sobre as relações mais ou menos conhecidas entre matemática, música e
formas plásticas de expressão artística. Nem sequer tinha reparado que todos
estes títulos constam da lista da série Ciência Aberta da Gradiva, pelo que
reitero o justo reconhecimento à editora que Jorge Buescu exprime na sua Nota
Prévia.
Teve esta compilação a capacidade de me proporcionar uma
gratificante mistura de evocação, conhecimento e diversão. Logo em O Colecionador de Sucessões, ao introduzir a referência à OEIS (On-line Encyclopedia of Integer
Sequence), criada originalmente pelo matemático americano Neil Sloane, começa
por apresentar a forma como um problema colocado a um hipotético grupo de
candidatos a um emprego pode ter múltiplas soluções. Salvaguardadas as
evidentes diferenças, ou não se tratasse de uma evocação, veio-me à memória um
fugaz encontro, na minha adolescência, com o já reformado professor de
matemática, Silva Paulo, do então Liceu de Oeiras, que acompanhou um dos
grandes matemáticos portugueses, Sebastião e Silva (que hoje dá o nome ao liceu), na sua reforma do ensino da matemática e na introdução das «matemáticas
modernas» no currículo oficial da disciplina. Desse encontro ficou a imagem de
uma sala pouco iluminada, revestida de livros alinhados quer vertical quer
horizontalmente e, sobre uma mesa, uma brochura com o título (espero não ser
traído pela memória) Cem Demonstrações do Teorema de Pitágoras. Cem? A que
propósito, para quê? Pedi autorização para consultar e reconheço ter ficado
surpreendido por reconhecer alguma «beleza» nas demonstrações (as que consegui
perceber, claro) e perplexidade perante o facto de verificar (pela primeira
vez?) ser possível olhar para um mesmo problema, matemático ou não, de tantas e
diversas formas. Voltando à OEIS, que desconhecia, o impulso de experimentar
foi irresistível. Lançar as mais disparatadas sucessões e verificar que estão
registadas e, sobretudo, ver os padrões (artísticos?) das suas representações
gráficas e ouvi-las!! E fecha-se ciclo com evocação da obra de Hofstadter e a
referência às fugas de Bach.
Também não conhecia o trabalho de Pedro J. Freitas (FCUL) e
Simão Palmeirim Costa (FBAUL), que o autor apresenta em A Chave da Geometria
de Almada, uma deveras interessante colaboração no estudo e interpretação do
painel Começar de Almada Negreiros, com que nos deparamos, imediatamente, ao
entrar na Fundação Calouste Gulbenkian. Parece-me importante referir que Pedro
Freitas e Simão Costa organizam, em colaboração com a Fundação, visitas guiadas
com explicações sobre o painel.
Apenas como curiosidade, esta leitura modificou para sempre a
forma com vou olhar para os engarrafamentos, quando estiver bem dentro de um. É
preciso ler Menos Estradas Melhor Trânsito?. O que vai ao encontro do que já
ouvi sobre a pendência nos tribunais, para cuja causa poderão concorrer a
abertura de novos tribunais ou a multiplicação de profissionais da área, no que
parece um quase evidente paradoxo. Será que haverá aqui algum objeto matemático
que interesse estudar?
Já vai longo o comentário, mas não posso deixar de referir uma
passagem do prefácio, sobre «Big Data»,
que me parece um pouco descontextualizada e algo panfletária. Se é certa a
apropriação, em minha opinião ilícita, de volumes monumentais de dados sobre as
pegadas eletrónicas de todos nós, a conjetura sobre manipulação de eleitores e
eleições parece-me ter um nível de generalização tão elevado que a sua
demonstração será necessariamente problemática. Na realidade as grandes
corporações citadas, vieram (antítese dialética?) «democratizar» a manipulação
de massas, até há pouco monopólio das WMM (Weapons of Mass Manipulation), mais
conhecidas por Main Stream Media (MSM), na sua maioria controladas, também
elas, por outras grandes corporações ou pelos Estados, incluindo ligações a
interesses militares. Mas esta conjetura já provocou danos factuais à
democracia, com a «legitimação» de novas formas de censura, listas negras de
sites marcados (branded) como «desinformativos» ou «fraturantes», «fact
checkers» sem qualquer espécie de acreditação relativamente a idoneidade,
independência e imparcialidade, arrastando também aqueles que pensam de forma
diversa da do regime. E de repente estamos no primeiro termo da pseudo-sucessão
de Niemoller-Brecht!
Fecho, no entanto, com um voto de esperança, na figura
espantosa da iraniana Maryam Mirzakhani, mulher, matemática, pela pessoa, pelo
trabalho que não tenho a mínima capacidade de seguir ou compreender, mas
amplamente reconhecido pela Academia (a primeira mulher a ganhar a Medalha
Fields) e pelo impacto que a sua vida teve na condição da mulher, incluindo no
seu país natal onde, como em muitos outros e em todas as religiões do mundo, a
interpretação, tantas vezes sectária, que homens fazem dos textos sagrados,
conduz a abusos e descriminações inaceitáveis.
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