A Amante do Governador, José Rodrigues dos Santos (Gradiva)


Opinião do novo romance de José Rodrigues dos Santos, a Amante do Governador, publicado pela Gradiva, no nosso blogue Clube de Leituras   Mais um lançamento do autor português mais prolífico da atualidade – se não em número de livros, seguramente em número de páginas!
    A Amante do Governador (717 páginas) é o fecho da trilogia composta por As Flores de Lótus, de 2015 (683 páginas), O Pavilhão Púrpura, de 2016 (698 páginas), e O Reino do Meio, de 2017 (700 páginas). Pelo meio, o autor ainda lançou dois livros de Tomás Noronha, Vaticanum, em 2016 (600 páginas), e Sinal de Vida, em 2017 (654 páginas). Uma bonita média de 1 000 páginas editadas por ano. Há quem chame a isto literatura a metro, há quem considere que José Rodrigues dos Santos (JRS) conta histórias, explana os seus conhecimentos enciclopédicos e, na verdade, ajuda-nos a melhor entender a História e o Mundo em que vivemos.
    Começo pela trilogia, em que o narrador Jorge Lobo, em fim de vida, conta a história de quatro personagens principais: Artur, Fukui, Lian-hua e Nadja, a que se deve ainda adicionar Sawa. Ao descrever as vidas deles, mostra como as ideologias radicais do séc. XX nasceram, cresceram e se consolidaram, desenvolvendo ainda uma teoria sobre uma origem comum (marxista) tanto do comunismo russo como do fascismo italiano e do nazismo alemão. Refere ainda o enorme impacto que a crise de 1929 provocou em todo o mundo.
    Artur, o português, assiste e acompanha o surgimento de Salazar, que também é personagem dos livros, dizendo o que de facto disse (ou escreveu). De passagem, aparece também Rolão Preto, o político que tentou ser o Mussolini português.
    Fukui, o japonês, observa o avanço do imperialismo e do militarismo no Japão. Pelo caminho, JRS explica, com grande detalhe, alguns aspetos fundamentais da cultura japonesa (a submissão absoluta ao Imperador e à autoridade do pai e/ou do marido, o respeito pela honra e a preocupação em «salvar a face», etc., recorrendo a uma outra personagem, Sawa, que ascende a uma posição importante no Exército Imperial e é um militarista convicto da superioridade da raça japonesa, descendente direta dos Deuses).
    Lian-hua, a chinesa, que se cruza com Mao Tse-tung (JRS terá esgotado com Salazar toda a sua simpatia com os personagens históricos desta trilogia, reservando para Mao uma descrição muito desagradável) e com o Kuomintang, passando ainda pela experiência da ocupação japonesa da China.
Nadja, a russa, sofre com a coletivização forçada na Sibéria e especialmente na Ucrânia, consegue fugir dos soviéticos para a China e acaba por ser submergida pelos japoneses.
     Finalmente, n’A Amante do Governador, verificamos que a trilogia não passou dum longo prólogo que apresentou a vida destes 5 personagens antes de se encontrarem todos em Macau, em 1941. Artur como Governador e Fukui como Cônsul, depois de se terem tornado grandes amigos em Berlim, em 1939, e Lian-hia e Nadja como personagens auxiliares. Sawa é o chefe do Kempeitai (a Gestapo japonesa) em Macau, e Lobo é o Responsável pela Economia, escolhido por Artur.
    O livro relata a forma como se viveu em Macau durante a guerra e os difíceis acordos que tiveram de ser estabelecidos para assegurar a sobrevivência da colónia, que estava completamente à mercê dos japoneses. Desde episódios de canibalismo e apoio (clandestino) à guerrilha chinesa, às vendas de petróleo e de canhões do séc. XVII para alimentar o esforço de guerra japonês, o livro esmiúça as decisões mais importantes do governador da colónia, que acabaria por ser afastado no fim da guerra por imposição do novo governo chinês, por acusação de colaboracionismo com os japoneses.
    Relata também as circunstâncias das mortes de Fukui e de Sawa, assim como a entrada de Stanley Ho no mundo dos negócios. Mais uma vez, JRS consegue conciliar muito bem os factos históricos com as suas estórias romanceadas.
    Do lado da História, aprende-se sempre muito – por exemplo, Macau sofreu um ataque aéreo por parte dos americanos, algo de que não se fala muito. Os livros de JRS são sempre muito didáticos, sejam ao nível da História, da Religião ou da Física Quântica, servindo para enriquecer a cultura geral de cada um e brilhar em «quizes».
    O recheio com que JRS acompanha as «partes mais sérias» dos seus livros corre o risco de ser apelidado de entulho. Diálogos pouco verosímeis, mulheres palpitantes de luxúria e de lascívia (ou vice-versa) que invariavelmente se transformam em sopeirazinhas desinteressantes e irritantes, logo que se vêem numa relação institucionalizada. Utilização bastante exagerada da técnica de criação de situações de suspense, real ou forçado, que sugere que JRS escreve os livros a pensar em eventuais adaptações televisivas e nos intervalos para a publicidade.
    
    Em resumo: Um livro que dificilmente viverá por si só, sem as 2 000 páginas da trilogia que o antecede, mas que é uma visão muito interessante sobre a expansão japonesa, a vida em Macau e os dilemas da governação.

Luís Serpa Pereira

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Comentários

  1. Dele li a Ilha das trevas quando fui a Timor em trabalho em 2003. Ainda eram muito evidentes os sinais da ocupação indonésia e o livro lido naquela altura e lá impressionou-me muitíssimo. Mais tarde li A filha do capitão. Achei que a história era boa, mas que provavelmente tinha centenas de páginas a mais que em nada contribuíam para a história em si, nem tinham valor em si. Um pouco como é dito na parte final desta completissima recensão!

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  2. Ana, agradeço a nota de confiança e a crítica à crítica.
    Quanto ao tema das páginas a mais, lembro-me sempre duma cena do filme "Amadeus", em que o Imperador se queixa das demasiadas notas e Mozart lhe pergunta que notas ele retiraria.
    Para considerar nesta discussão com as devidas distâncias (convenhamos que JSR não é nenhum Mozart!)

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