Uma Abelha na Chuva, Carlos de Oliveira (Editorial Caminho)

Carlos de Oliveira + "@ Clube de Leituras"
     Uma abelha na chuva é um livro marcante, pela história, pelas personagens, pelas paisagens, pelo suspense, até. É um romance clássico, em ambiente neorealista.
    E é também um retrato impiedoso de um país atrasado, rural, socialmente estratificado e puritano. A história acontece num curto período de tempo, cerca de três dias, e decorre na zona centro do país. Apesar das diversas personagens que povoam o livro, ocupam espaço central o casal Álvaro Rodrigues Silvestre e a mulher, D. Maria dos Prazeres Pessoa de Alva Sancho Silvestre, Jacinto, o cocheiro deles e Clara, filha do oleiro cego, o Mestre António.
    Desde o nascimento da filha, o oleiro  embalava o sonho de sair da pobreza pela mão dela, através do casamento, razão pela qual não aceita o relacionamento desta com o cocheiro. É Álvaro Silvestre quem os denuncia, despeitado pelo que ouvira o cocheiro contar da sua mulher e porque «o ânimo impiedoso irrompia da sombra para saltar sobre o ruivo, que encarnava, por uma necessidade premente de fixar a angústia, o bode expiatório, o inimigo, a própria angústia», desencadeando uma séria de ações e consequências que ele não antecipara.
    Não deixa de ser curioso que, começando o livro com a ida de Álvaro Silvestre ao escritório de Medeiros, diretor da Comarca, para publicamente se acusar dos roubos que tinha efetuado, instigado pela mulher, tenha acabado por praticar um ato muito mais infame do que aqueles de que se dizia arrependido.
    Ao longo do livro as abelhas são invocadas, a começar pelo Dr. Neto, que tinha o quintal cheio de cortiços e colmeias e considerava que o mel quase alcançava o teor da suma perfeição.    
    A propósito de Álvaro e da D. Maria dos Prazeres e amigos:

    «(...) vê-los desfigurados é vê-los verdadeiros; todos eles fabricam fel; abelhas cegas, obcecadas.»
 
    E a acabar Uma Abelha na Chuva:

    «Por hábito, lançou os olhos às colmeias, que lhe ficavam mesmo em frente, dez ou doze metros se tanto (...). A abelha foi apanhada pela chuva: vergastadas, impulsos, fios do aguaceiro a enredá-la, golpes de vento a ferirem-lhe o voo. Deu com as asas em terra e uma bátega mais forte espezinhou-a. Arrastou-se no saibro, debateu-se ainda, mas a voarem acabou por levá-la com as folhas mortas."
 
    Segundo Nuno Júdice, num artigo publicado em 2021 no Jornal de Letras (https://visao.pt/jornaldeletras/letras/2021-07-27-carlos-de-oliveira-a-exigencia-da-escrita/), este último parágrafo teve várias versões, porque, como aconteceu com todas as suas obras, reescreveu-o ao longo da vida.

    Um livro que tem de resistir à passagem do tempo, de que se tem de falar e, sobretudo, garantir que se continua a ler.
 
    Fernando Lopes realizou em 1971 Uma Abelha na Chuva. O filme pode ser visto aqui
 
     

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