O Invisível, Rui Lage (Gradiva)
Se o Fernando Pessoa tivesse fundado uma agência dedicada a investigações ocultistas e paranormais, decerto designar-se-ia Agência Bandarra e Pessoa teria como sócio o seu amigo Augusto Ferreira Gomes.
No romance O Invisível, é isso que acontece. Para além da agência, Fernando Pessoa, é amante de Hanni Jaeger, que chegou a Portugal com Aleister Crowley, o mesmo que com a ajuda do poeta e de Augusto Ferreira Gomes simula o suicídio na Boca do Inferno - no local existe uma placa :
Estamos em 1931, anos depois da revista Orfeu e de outras revistas que funda ou nas quais participa. Fernando Pessoa é um pobretanas, sem um tostão furado, e por isso decide aceitar prestar os seus serviços ao povo de uma aldeia serrana atormentado por ocorrências nocturnas inexplicáveis, juntamente com o seu sócio. Só na viagem demoram perto de doze horas, o que representava um avanço inegável pois, como refere Pessoa, no início do século, essa era a duração da viagem Lisboa - Porto. Quem os contacta e contrata é o Padre daquela aldeia, por conselho do abade de Baçal, apesar daquele afirmar reprovar qualquer prática mágica.
A descrição de um povo pobre, abandonado no meio de uma serra inóspita e sem dormir há dias por causa de assombrações que aparecem à noite, gritam às portas das casas e desenterram os mortos, é impressionante. Mas de repente, passamos para um mundo repleto de magia e fantasia, em que o herói é o nosso enfezado poeta, que consegue descobrir o problema e fechar uma fissura intramundos que tinha sido recentemente aberta.
Foi isso que senti quando acabei de o ler, que o autor, Rui Lage, tinha aberto uma porta entre dois mundos, pegando na personagem Fernando Pessoa, com toda a sua história, desde a infância na África do Sul, até à época em que a narrativa decorre, e noutras personagens reais, e daí partiu para um mundo irreal, com fantasmas, seres de outro mundo, assombrações. Passei o livro à espera de uma explicação razoável para o que acontecia até me aperceber que tal não iria acontecer. E é esse o fascínio deste livro, descrito como um romance com notável fulgor imaginativo, pelo Júri do Prémio Revelação Agustina Bessa-Luís.
Mas não se pense que a imaginação reside apenas na história, porque ela está em cada imagem, cada descrição que é feita:
«Porque na floresta a razão era tão útil como um isqueiro numa casa a arder. [...]
Em face de uma floresta desconhecida, um homem só pode desistir ou penetrar. E depois de penetrar é como um animal desequipado de sentidos, a escavar à toa debaixo da terra, sem saber se escava para diante ou às arrecuas. (...) Até que os nossos olhos se aprofundam e é a floresta que vislumbra o que vai dentro de nós.» (pg.14)
Um livro a não perder.
Um livro a não perder.
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