A Casa Eterna, Hélia Correia (Publicações Dom Quixote)

Hélia Correia "@ Clube de Leituras"
    É muito difícil escrever sobre um livro que se leu lentamente para apreciar cada frase, cada parágrafo. Um livro que me causou uma inveja tremenda. Gostaria tanto de ter sido eu a escrevê-lo. Ou pelo menos algumas partes:
    "(...) Esta casa que eu tanto imaginara, querendo ver levantados os cheiros, as paredes, circula no entanto como um redemoinho de pós e de bolores em torno das chinelas de Perpétua. O que quer que existiu aqui já está desfeito. Não houve tempo para que a podridão tratasse dos lugares a seu modo, um por um, conforme os usos, conforme as horas que lhes foram dedicadas. É um corredor velho e sem memória. Está reduzido à sua própria sombra." 
    Se dividir o livro, as suas 242 páginas, pelos dias que levei a lê-lo, terei menos de dez páginas por dia. E apesar da lentidão com que o li, quando cheguei ao fim, pensei que não sabia exatamente a história que me era contada. Porque n'A Casa Eterna o mais importante são as pessoas, as pequenas histórias, e por elas vamos saindo,  desviando-nos do propósito que nos levou a Amorins, com a narradora, procurando o rasto de Álvaro Roíz, escritor, que regressou à sua terra natal, de onde saíra há muito, para morrer: 
    "(...) Levei tempo a sair dos Amorins, disse Álvaro. Ninguém deve sair tão devagar, sem abrir de uma vez o seu portão, sem transportar a maior parte de si mesmo na primeira, na única viagem. Se não, corre-se o risco de ficar pelo caminho. De se gastar a alma a ir e a vir até que já nenhum lugar faça sentido."
    E ela, a narradora, vai falando com as pessoas da terra para que lhe contem o que recordam dele:
    "(...) Filomena Caréu acelera os enlaces da linha na agulha, depois pára e repousa os dedinhos inchados. Vai demorar-se em Álvaro Roíz. Vai mentir. As mulheres, quando recordam, nunca resistem a passar uma demão. E eis uma juventude posta em palco, iluminada, toda imersa em rendas."
   No final, a narradora, a amiga de Álvaro que herdara o seu gato persa Zaratustra, consegue chegar aos últimos momentos de Álvaro, acompanhado por Ruço que o foi deixar à beira da represa:
   "(...) Viu que ele sorriu antes de se encostar na grande maciez, no lombo acolhedor, e adormecer."
   A parte boa de só agora ter descoberto a escrita de Hélia Correia é o ter vários livros dela para ler.

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