Sinais de vida, cartas da guerra 1961-1974, Joana Pontes (Tinta da China)

    Ouvi falar deste livro por acaso e fiquei logo com vontade de o ler. Através dele e da Joana Pontes fiquei a saber que já houve projetos que visavam assegurar a conservação da correspondência trocada durante a guerra colonial, como o Projeto Recolha, mas que não foram porventura suficientes para garantir que uma parte não se perca, na Feira da Ladra ou em caixotes de lixo de qualquer casa desmanchada. Por isso estes Sinais de Vida é tão importante
    Como é dito no prefácio, de Aniceto Afonso, "(...) Toda a população masculina nascida entre 1940 e 1954 esteve, de uma forma geral, sujeita a mobilização militar para cumprir serviço num dos territórios em guerra - Angola, Guiné ou Moçambique.
    Mas todos os outros portugueses  acabaram por ser envolvidos pelo ambiente social resultante da guerra. Essa relação aumentou sentimentos, influenciou opiniões, provocou ansiedades e desespero. Todos, mobilizados ou não, viveram os dramas uns dos outros, familiares, amigos, vizinhos e conhecidos."
    Sinais de vida analisa correspondência trocada durante o período da guerra, abrangendo cerca de 4 400 cartas e aerogramas (atualmente muita gente nem saberá o que são aerogramas, por isso decidi colocá-los na imagem) durante os 13 anos que durou a guerra colonial. Apesar de ser uma tese de doutoramento lê-se como um romance e nele ficamos a conhecer o que pensavam e sentiam os que participavam nesta guerra, pelo exército português, e aqueles com quem se correspondiam, a família, os amigos, as noivas e as namoradas. Como era encarada a guerra e como se foi evoluindo claramente no sentido da percepção da derrota iminente e da irracionalidade da sua continuação.
    Se a ideia que existia a priori era a de que depois de um período inicial de apoio à guerra, passou-se para o descrédito e finalmente para a rejeição, ela é confirmada pelo teor das missivas que, sendo apresentadas cronologicamente, permitem-nos perceber a evolução
    Mas as cartas refletem igualmente o que era a sociedade portuguesa de então, o analfabetismo reinante, a pobreza, a ignorância e também o medo. Dão ainda uma imagem da situação da mulher, dependente primeiro do pai e depois do marido, em todos os aspetos da vida.
    Se este livro é importante por preservar parte da nossa memória individual e coletiva, é-o igualmente por trazer a guerra colonial para o domínio público, através das palavras de quem a viveu e do testemunho que dela deram então, no momento em que nela participavam, com as palavras que permitem sentir o medo, a raiva, a ansiedade, a frustração ou, nalguns casos, o orgulho.
    Como é referido no prefácio "O silêncio imposto pelo regime faz a guerra parecer distante, faz a guerra parecer ausente, de certa forma, torna a guerra inexistente".
     Este livro torna-a real.

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