Por causa do título, "a morte da mãe", comecei a ler este
livro equivocada sobre o assunto de que trata. Tenho verificado com alguma surpresa
que há vários livros sobre a morte do pai, contudo, só conheço um sobre a morte
da mãe, "Uma morte suave", de Simone de Beauvoir. No caso de "O
estrangeiro", de Albert Camus, a morte da mãe serve apenas para
caracterizar o protagonista. Admito que possa haver muito mais livros escritos
sobre a morte da mãe, que desconheço, mas esta quase ausência surpreende-me.
"a morte da mãe" é um ensaio (há quem fale em romance-ensaio) em
que a autora, Maria Isabel Barreno, tenta justificar ou perceber a génese do
sistema patriarcal no qual vivemos, e fá-lo percorrendo a história e os mitos,
em diálogo com autores, como Marx e Engels, ou contestando Freud e até alguns
contos infantis, como o Bambi. Em diálogo também com mulheres, algumas que a acompanham na
sua procura, outras que dela divergem.
Enuncia logo na primeira página o objetivo que a norteia quando pergunta,
depois de repetir a história ou as palavras que lhe ensinavam e ela aprendia:
- ONDE ESTÃO AS MULHERES?
E depois de lhe explicarem que as mulheres têm ficado em casa, fazendo filhos e
tricot, pergunta porque é que as mulheres ficaram em casa e porque é que
desapareceram nessa sombra linguística. Já adulta, quando interpelada pelo filho pequeno,
percebe que a História dos homens está nos livros; mas a história das mulheres
só é decifrável ao longo de cada vida. A primeira, a história dos homens começa
com maiúscula, ao contrário da história das mulheres, remetendo-nos a primeira
para a história retida e ensinada, pública, ao contrário da outra, privada,
escondida.
Ao longo do percurso encontra e aponta as causas para a secundarização e
privatização das mulheres e reclama o direito à história, à presença e às
palavras:
«Deixadas sem discurso, nós, mulheres, deveremos apropriar-nos de todas
as palavras. Apropriação do sexo, do prazer, da designação culta, da designação
oculta, do palavrão. Toda a escrita é tentativa de inscrição no real: do já
dito, do sussurrado, do silenciado. E aqueles que verbalmente chegam ao espaço
público têm de se apresentar suficientemente confiantes, suficientemente
amparados num "nós" coletivamente reconhecido, para que suas palavras
possam ser entendidas.»
E mais à frente, ainda a propósito das palavras, escreve:
«As palavras, embora subordinadas à racional construção da frase, muito
continuam a significar e a prometer. A
nova ejaculação racional é a invenção do "neutro": texto que trata do
"Homem", com dimensão de ser humano, e que na verdade apenas se
refere aos homens.»
“a morte da mãe” acaba com o que Maria
Isabel Barreno designa de «Os caminhos das mulheres»:
«Podemos imaginar o contrário. Que um dia
seremos tocadas pela visão (…) onde tudo é ao contrário. As mulheres mandam e
têm capacetes e dinheiro, e são elas que fazem viagens interespaciais; porque
os orgasmos femininos se tornaram, nos sonhos, nas visões de “ficção científica”,
indispensáveis à produção.»
Apesar de ser um livro datado, gostei
bastante de o ler, talvez porque me identifique com aquela pergunta inicial: ONDE
ESTÃO AS MULHERES?
Gostei também pelo facto de o ter descoberto
na biblioteca dos meus pais e perceber que a minha mãe o tinha lido e sublinhado
partes que me pareceram especialmente relevantes, como se mas estivesse a
mostrar.
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