Silverview, John le Carré (D. Quixote)
Silverview foi, simultaneamente, o primeiro livro de espionagem e
de John le Carré que li. Neste blogue há algumas recensões de
livros deste Autor, destacando-se a relativa a O
Fiel Jardineiro,
mas nunca tive curiosidade de ler as obras de John le Carré, mesmo
esta que deu origem a um filme de que gostei muito.
Não tenho por isso referências a autores ou a outros livros deste
género que me permitam fazer comparações, mas a minha surpresa foi
o ter constatado que Silverview é, na sua essência, uma história
de amor. Um amor interrompido, impossibilitado por convenções
sociais e que só é retomado muitos anos depois. Com exceção de um
antigo corretor da City, que abandona tudo para abrir uma livraria,
as outras personagens são quase todas agentes de espionagem ou
familiares de agentes, habituados por isso às exigências e
aparentes excentricidades da carreira.
É curioso saber que é uma obra póstuma e que foi a única que John
le Carré deixou acabada. Alguns anos antesde morrer, John le Carré havia pedido ao filho, Nick Cornwell,
também escritor, (que usa o pseudónimo Nick Harkaway), que
terminasse as obras que deixasse por acabar. Depois da sua morte, o
filho lembra-se deste romance, Silverview, e descobre-o revisto e
terminado. A única explicação que encontra para não ter sido publicado pelo
pai é, segundo ele, porque «mostra um serviço fragmentado,
repleto das suas próprias fações políticas, nem sempre amável
para quem devia acarinhar, nem sempre muito eficaz e alerta, e, em
última instância, já não seguro de poder justificar-se a si
mesmo. Em Silverview, os espiões da Grã-Bretanha perderam, como
tantos nós, a certeza quanto ao significado do país e de quem somos
para nós mesmos.»
E se dúvidas tivéssemos quanto a esta explicação, bastaria ler
este diálogo a meio do romance para a subscrever:
«- A verdade, meu velho…só aqui entre nós, não vás dizer isto
aos formandos, ou perdes a reforma, é que não fizemos muito para
alterar o curso da História, pois não? – disse Philip. – De
antigo espião para antigo espião, acho que eu teria sido mais útil
a dirigir um clube para rapazes. Não sei o que pensas tu a respeito
disto.» (pg. 138)
E é de facto essa imagem que é passada, de um serviço que se vigia
a si próprio, pesado e desconfiado de tudo e de todos.
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