Morrem Mais de Mágoa, Saul Bellow (Quetzal)

    

     Morrem Mais de Mágoa é o primeiro romance que li de Saul Bellow. Na contracapa podemos ler: "As histórias amorosas de um e de outro, as muitas facetas da relação entre tio e sobrinho, as longas discussões que mantém sobre os desígnios do amor e do desejo dão corpo a uma narrativa cheia de humor, inteligência e sabedoria".

     Não sei se Saul Bellow nos outros romances fala também sobre o amor e o desejo na perspetiva masculina, mas confesso que me surpreendeu por ser incomum. Quanto muito, os autores masculinos falam de relações amorosas pela voz de personagens femininas, raramente colocam personagens masculinas a falar de desejo e sobretudo de amor.

     Curiosamente, enquanto lia este belíssimo romance, leio no Público de 12 de maio, na coluna de António Rodrigues, 4 Esquinas, uma citação de Lúcia Lubarsky, diretora e guionista do documentário "O silêncio dos homens" ao diário argentino Página | 12:

    Acontecia-nos, como companheiras e amigas, encontrarmo-nos para partilhar confidências, dúvidas, frustrações sexuais, por exemplo, e perguntarmo-nos onde os homens falariam sobre estas coisas, com quem; ou se era apenas matéria para a solidão de uma terapia no melhor dos casos."

     Morrem Mais de Amor é uma longuissima conversa de homens sobre amor, desejo e frustrações sexuais. É narrado na primeira pessoa, por Kenneth Trachtenberg, especialista em literatura russa que vai viver para os EUA para ficar próximo do tio, Benn Crader, um botânico famoso, ambos com dificuldades nos relacionamentos afetivos. O mote é logo dado no princípio quando o tio fala na lista de sofrimentos que para o fim da vida temos de preencher, e depois das causas físicas e das injustiças sofridas aparece o amor: “Se o amor os aflige tanto e se veem devastação por toda a parte, porque não são sensatos e desistem cedo?”

     Mas esta é uma questão recorrente: “Não havia já à sua volta suficientes casamentos falhados, destroços de amores que, como os Boieng, não foram capazes de ultrapassar montanhas?” (pg. 63) Algumas explicações, sobre homens e mulheres, são avançadas para justificar os desencontros e falhas de amor:

     "Quando um homem olha para uma mulher, tem tendência para se esquecer de que também ele já não é criança. Não consegue deixar de ter a visão dos dezoito anos” (pg. 99) e

     “E esta frustração e infelicidade feminina vai recair duramente sobre os homens, que muitas vezes são solicitados para lhes resolver a autoestima que eles perderam.” (pg. 116)

    As mais de 400 páginas de Morrem Mais de Mágoa, que se leem com muito interesse, são as conversas entre tio e sobrinho sobre as paixões e o casamento do primeiro e o fracasso do segundo na tentativa de reatar a relação com a mãe da sua filha. Ambos eruditos, universitários, são, porém, totalmente incapazes de compreender as mulheres, sentindo-se em muitas situações acossados por elas. Têm também alguma incapacidade para a gestão diária das suas vidas, bem como a restante família, o que levou a que tivessem sido enganados há muitos anos, na venda de um imóvel onde foi depois construída o maior edifício da cidade.

     Nas suas reflexões, autores e obras são mencionados com frequência, sobretudo autores russos e Balzac, bem como os riscos da leitura:

     “Enquanto lemos um livro, e sem darmos por isso, podemos ser minados por uma febre secreta, envenenados por detritos tóxicos, ou desconhecermos as tempestades de sentimentos que existem dentro de nós próprios e que são veladas pelo livro.” (pg. 59)

     O título, Morrem Mais de Mágoa, resulta de uma afirmação feita por Benn Crader, o tio, numa entrevista sobre os perigos da radioatividade proveniente de Three Mile Island e Chernobyl:

     “A mágoa tem matado muitíssima gente.” E pode seguramente calcular-se que morre mais gente de mágoa do que de radiações atómicas, mas não existem movimentos de massas nem manifestações de rua contra ela.” (pg. 251). E mais à frente, Kenneth justificará esta afirmação dizendo à mãe da sua filha que “se as pessoas o percebessem e conhecessem melhor os seus sentimentos, verias então uma verdadeira marcha sobre Washington. A capital não chegaria para conter tanto desgosto.” (pg. 405)

     Morrem Mais de Mágoa é um extenso diálogo sobre o amor e as ilusões e desilusões que causa, e, como é referido na contracapa, apesar de se tratar de duas pessoas brilhantes, não se salvam dos erros que todos conhecemos e que frequentemente cometemos.

     Saul Bellow recebeu o Prémio Nobel em 1976. Morrem Mais de Mágoa foi editados em 1987.

    Uma belíssima edição e uma excelente tradução de Lucília Filipe.

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)