A Lebre de Vatanen, Arto Paasilinna (Relógio d'Água)

A Lebre de Vatanen
    

    A Lebre de Vatanen foi mais uma prenda de anos. A sorte que tenho de receber livros escolhidos por familiares ou amigos que já os leram e de através deles conhecer novos autores, novos mundos. No caso de A Lebre de Vatanen senti-me verdadeiramente a entrar num mundo distante do nosso, porventura mais distante daquele que nos é descrito em livros de autores africanos ou sul-americanos, a começar nas paisagens e costumes e a acabar nos nomes de regiões ou cidades:

    «Ele olhava para as casas, para os carros, procurava reconhecer o local. Seria Vallila? Katajanokka? Em todo o caso, não era Kruununhaka. Chegaram a um rio....Porvoo?»

    Como consta na contracapa, Vatanen é jornalista em Helsínquia. Num final de tarde de junho regressava de um trabalho com um colega fotógrafo. Os dois tinham à volta de 40 anos e sentiam-se infelizes: «Casados, enganados, desiludidos, ambos tinham um princípio de úlcera no estômago e outras preocupações quotidianas.»

    É então que atropelam uma pequena lebre. O fotógrafo para o carro, mas não encontrando a lebre quer prosseguir viagem. Vatanen embrenha-se na floresta e encontra a lebre. Como tinha uma pata partida, faz uma tala e com a ajuda de um lenço ata-a à pata da lebre. Ignora as ameaças do fotógrafo de que não iria esperar mais por ele. Pouco depois encontra-se só, no meio da floresta, com a lebre. O fotógrafo regressa na madrugada seguinte, mas não o encontra e por isso telefona à mulher de Vatanen que se manifesta mais incomodada que preocupada.

    Começam então a viagem e as peripécias de Vatanen, por terras da Finlândia e com uma curta incursão na URSS, com a lebre no bolso ou a seu lado. A lebre é o passaporte de Vatanen para a decisão de mudar de vida, tanto em termos profissionais como pessoais, mas também pra a forma como as pessoas se relacionam com ele. Passa o inverno a deambular pelo norte da Finlândia, aceitando trabalhos temporários que lhe permitem ir sobrevivendo. Depois de uma noite de bebedeira, acorda e descobre que está comprometido com uma jovem mulher. Um dia, ao seguir o rasto de um urso, entra na URSS, onde é bem recebido, sendo uns dias depois escoltado de volta à Finlândia onde terá de responder por vários crimes cometidos, quase todos fruto de equívocos.

    No epílogo, escrito na primeira pessoa do singular pelo narrador, ficamos a saber que depois de preso conseguiu que lhe restituíssem a lebre após ter escrito uma carta ao Presidente da República, Kekkonen, tendo logo depois fugido da prisão com a lebre debaixo do braço. Só podemos imaginar que na carta ameaçaria o Presidente da República de divulgar o segredo que lhe tinha contado um comissário da polícia já reformado, e que era que o Presidente da República tinha sido substituído por outra pessoa por volta de 1968. Por curiosidade fui pesquisar e verifiquei que Kekkonen foi Presidente da Finlândia durante 26 anos consecutivos, entre 1956 e 1982, depois de ter sido durante seis anos Primeiro-Ministro.

    Uma ficção com alguns toques de realidade, o que nos leva a interrogar sobre a veracidade da história das manobras militares efetuadas por 500 soldados finlandeses, na presença dos adidos dos exércitos sueco, francês, americano e brasileiro, bem como as esposas dos adidos americanos e sueco, que termina com um incêndio e a evacuação das senhoras e de Vatanen num helicóptero, com o piloto e o co-piloto nus e enregelados. 

    Sucedem-se as histórias e as personagens sendo constantes apenas Vatanen, a lebre e a neve.


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