Mulheres invisíveis, Carolina Criado Perez (Relógio d'Água)

Mulheres Invisíveis
       Li este livro na edição inglesa, que me foi emprestado pelo meu sobrinho Francisco, depois de uma conversa justamente sobre a invisibilidade das mulheres. Desconhecia que o livro estava em vias de ser traduzido e editado entre nós. Nunca tinha ouvido falar desta autora, que pensei ser espanhola ou sul-americana, e não britânica. Descubro depois que, para além de escritora, é jornalista e defensora dos direitos das mulheres. Nas notas biográficas, é referido que foi ela que conseguiu que uma mulher aparecesse em notas do Banco de Inglaterra e que dinamizou a campanha para que a estátua de uma sufragista - Millicent Fawcett - fosse erguida no Parliament Square.

    O livro inicia-se com uma citação de Simone Beauvoir e que poderia ser o subtítulo ou o resumo desta obra:

    “A representação do mundo é obra dos homens; eles descrevem-no do ponto de vista que lhes é peculiar e que confundem com a verdade absoluta.”

    Algumas das questões que a Autora suscita constam da publicitação do livro: os remédios que não são os adequados para as mulheres, os telemóveis (e também o teclado de piano) demasiado grandes para as mãos das mulheres, a invisibilidade do trabalho das mulheres nas lides domésticas e como cuidadoras e a sua desvalorização. Mas o que mais me impressionou foram as medidas que apontou que visavam proteger as mulheres, mas que terminaram por funcionar justamente ao contrário, como o alargamento das licenças de parentalidade e a sua extensão aos pais (homens), mas que permitiram, no caso das carreiras científicas, que os pais (homens) também se dedicassem a escrever e a publicar trabalhos científicos. Recordo-me que durante o período da pandemia esta questão também foi referida, dado que no caso de casais investigadores, eles publicaram artigos em maior número que as mulheres, grandemente ocupadas com o apoio à família e com o trabalho doméstico (V. estudo “Condições de trabalho, perceções sobre o uso do tempo e desempenho académico na crise da covid-19“ envolvendo docentes e investigadores/as daquela instituição, promovido pela Universidade de Coimbra no âmbito do projeto europeu “SUPERA |Supporting the Promotion of Equality in Research and Academia”).

    Espero que a tradução portuguesa corrija o dado relativo à licença de parentalidade em Portugal, que, apesar de destacar o facto de ser pago na íntegra, apontava para uma duração muito inferior à efetiva. E neste particular importa realçar como estamos distantes – para melhor – de outros países, em particular como os EUA, em que as mulheres têm de fazer uma opção entre trabalho e maternidade.

    Em termos políticos, refere a importância das quotas e de outras medidas adotadas para reforçar a presença das mulheres nos órgãos políticos, embora lembre alguns retrocessos que se têm verificado um pouco por todo o mundo.

    A estrutura distinta das línguas inglesas relativamente às de origem latina permite, no primeiro caso, uma maior indefinição de género do que acontece nas segundas, em que a regra – o neutro - é o masculino. Quando a Autora refere o facto de se pedir a crianças que desenhem «a scientist» estas, em maior número, desenham um homem. Nos países cuja língua é derivada do latim, teria de se especificar o género. Entre nós, o caso mais gritante é o da Declaração Universal dos Direitos do Homem – e outras convenções internacionais ratificadas por Portugal - que apenas em 2019, por lei aprovada na Assembleia da República, passou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Só aparentemente uma pequena diferença.

    O livro, para além de nos chamar a atenção para um conjunto de discriminações, ainda que não intencionais, tem o mérito de alertar para a necessidade de acompanhamento e avaliação a posteriori das políticas nesta matéria – desde o trabalho, aos transportes – porque algumas medidas, que visam justamente proteger ou beneficiar as mulheres, podem ter o efeito contrário.

    Depois de ler o currículo da Autora, lembrei-me como seria importante ter uma estátua de uma mulher – por exemplo, Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher a votar – à entrada do Parlamento. No interior existem apenas os bustos de Natália Correia e Alda Nogueira. Depois há estátuas, bustos e pinturas de mulheres alegóricas, que representam a justiça, a diplomacia, a lei.... Há uns anos, encontrei a seguinte denúncia: Do Women Have To Be Naked To Get Into the Met. Museum? Guerrilla Girls. Podemos adaptar a pergunta à nossa realidade.

    Um livro a lembrar que ainda há um longo caminho a percorrer para a verdadeira igualdade entre homens e mulheres.

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