História da menina perdida, Elena Ferrante (Relógio D'Água)

Elena Ferrante @ Clube de Leituras
       Acabei hoje de ler o quarto volume da tetralogia A Amiga Genial e antes de partir para umas curtas férias de 4 dias e a lembrança da leitura se desvanecer entre passeios e conversas amigas, decidi, ainda que à pressa, escrever umas notas.
    O facto de num dia de férias ter-me levantado mais cedo só para conseguir acabar de ler este livro confirma que se trata de uma leitura apaixonante, mas, não consigo deixar de achar, ao mesmo tempo um pouco decepcionante. Neste volume Elena e Lila são já mulheres maduras e o facto de Elena ter voltado a viver em Nápoles primeiro, e depois no mesmo prédio da amiga, reaproxima-as, contudo numa relação incompreensível para mim, feita de cumplicidade, mas também de ciúmes, invejas e rancores: «(...) ela quer que eu dê aquilo que a sua natureza e as circunstâncias a impediram de dar, e eu que não consigo dar aquilo que ela pretende; ela que se irrita com a minha insuficiência, e por represália me quer reduzir a nada, como fez consigo mesma, e eu que passei meses e meses e meses a escrever, para lhe dar uma forma que não perca os contornos, e lhe bater, e a acalmar, e assim por minha vez me acalmar.»
    E é nesse aspeto que porventura esta obra me parece inquinada, pelo retrato que faz da amizade entre elas, que parecendo duradoira é sempre marcada pela competição, pela ambivalência e pelo fato mais que estereotipado de terem amado as duas o mesmo homem. Particularmente surpreendente é a forma distante e quase cruel com que Elena convive e mais tarde escreve sobre o sofrimento de Lila.
   Sobre o percurso das duas, quase que poderíamos pensar que podiam ser a mesma mulher fazendo percursos distintos, uma saindo do bairro e da cidade onde nasceu e cresceu, indo para a universidade, viajando e publicando livros e a outra permanecendo, por vontade própria, no local onde nasceu e viveu, sem estudar, mas conseguindo igualmente  atingir uma situação de desafogo  que lhe permite ajudar quem necessita. Como se fossem duas faces da mesma moeda ou dois caminhos possíveis de seguir. A primeira, Elena, termina por atingir alguma tranquilidade e bem estar emocional, enquanto Lila, por força do drama que vive, está cada vez mais desassossegada e intranquila, até que desaparece. É aliás o desaparecimento dela, reportado pelo filho a Elena, que inicia o primeiro volume e  desencadeia a escrita destes livros, como forma de a tentar recuperar, sem sucesso porém: «(...) portanto, para que serviram todas estas páginas. Tinha a intenção de assim a agarrar, de a ter de novo ao pé de mim, e morrerei sem saber se o consegui. À vezes pergunto-me onde foi que ela se dissolveu. No fundo do mar. Dentro de uma fenda ou numa galeria subterrânea, cuja existência só ela conhece (...) Numa das tantas dimensões que nós ainda não conhecemos mas Lila conhece, e agora é lá que está na companhia da filha.»
   A situação política, económica e social de Itália, em especial neste volume, é mais do que um cenário onde decorre a ação, porque quer Elena, quer outras personagens, sobretudo Nino e Pasquale, estão diretamente envolvidos e, nesse aspeto, este livro é particularmente interessante.
    O terceiro e quarto volumes foram-me emprestados pelo meu irmão, que, pelos vistos,  rouba frases que escreve no próprio livro. Uma frase que ele roubou tinha igualmente chamado a minha atenção: «[as minhas filhas] têm orgulho em mim, no entanto sei que nenhuma delas me suportaria por muito tempo....O mundo mudou de uma forma prodigiosa e pertence cada vez mais a elas e cada vez menos a mim.»

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Comentários

  1. Excelente frase. Estou a gostar muito do blog, pena não ter visto comentários...não sabem o que estão a perder!

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