Historia de quem vai e de quem fica, Elena Ferrante (Relogio d' Água)


Elena Ferrante @ Clube de Leituras
     Já iniciei a leitura do quarto volume, mais uma vez logo depois de acabar o livro anterior. Como se do mesmo volume se tratasse. Acabo um e começo imediatamente a leitura do seguinte, embora me sinta envolvida numa relação ambígua: não consigo parar de ler, mas não sinto que seja uma obra que perdurará ou que justifique a paixão e a projeção que tem tido.
    Neste terceiro volume vamos encontrar as duas protagonistas, Lila e Elena, já adultas, com filhos, e ambas trilhando percursos distintos entre si, mas sobretudo distantes da vida que tinham conhecido no bairro onde nasceram e cresceram. Apesar de uma ter partido e outra ter ficado, a vida das duas é, em termos políticos, sociais, económicos e familiares distinta da maior parte das pessoas com que cresceram. 
    Elena vai para a universidade, publica um livro e casa com um jovem professor universitário oriundo de uma família ligada ao meio académico. Lina separa-se do marido e vai viver com Enzo, um amigo. Durante o dia trabalha em condições miseráveis numa fábrica de enchidos e à noite, juntos, estudam computadores, através da leitura de fascículos e de exercícios que ela vai inventando. 
        Neste livro avoluma-se a estranheza da relação das duas, sempre apresentadas como amigas, reconhecendo-se como tal, embora vivam numa permanente competição e receio recíproco [«(...) aquele incidente convenceu-me de que era melhor não levar Pietro a visitar Lila: conhecia-a bem, ela era má, ia achá-lo ridículo e fazer troça dele(...)»; «(...) a nossa relação já não tinha intimidade. Reduzira-se a notícias condensadas, detalhes escassos, piadas maldosas, palavras em liberdade, nenhuma revelação de facto e pensamentos só para mim.»)
    Elena, a narradora, que estudou e que saiu de Nápoles, quando um dia regressa sente-se angustiada porque, apesar de tudo o que fez, sente que tem menos história que a amiga («Quantas coisas perdera ao ir-me embora, julgando que estava destinada a uma vida sei lá como».)
   Este livro decorre nos anos 70, tendo como pano de fundo as lutas estudantis, a emancipação da mulher, o aparecimento da pílula, o debate político e ideológico em Itália, mas também no mundo, o que permitiu que Elena e Lila se envolvessem e descolassem do destino das gerações precedentes. Como se se tratasse de um fresco da vida italiana desses anos, de que elas são protagonistas e testemunhas privilegiadas. A amizade entre elas é apenas um pretexto, uma justificação para que Elena escreva sobre ambas.

Comentários

  1. É mesmo assim, "não consigo parar de ler". Não obstante, estou de acordo, é uma obra chamativa, mas não sou capaz de dizer se
    o conteúdo merece todo esse entusiasmo que recebeu. Li, faz algum tempo e agradou-me, não minto. Só não sei, ainda, se voltarei à sua releitura, tempos mais tarde, como é meu hábito. Não tenho a certeza se me apaixonei pela Elena, que é condição primeira para "voltar ao livro". De duas coisas tenho a certeza, apaixonei-me pela autora e fiquei com a certeza absoluta de ser uma mulher, é que nenhum homem seria capaz de descrever a interioridade de uma mulher, se não fosse mulher, por muito feminino que o homem fosse. Mas, pensando melhor... talvez volte à obra lá mais para diante.

    ResponderEliminar
  2. Tenho lido algumas recensões e curiosamente - ou coincidentemente - encontro mais fãs de Lila que de Elena, como se fosse necessário escolher uma ou outra. Alguns leitores chegam a criticar Elena que consideram demasiado carente, crítica, mesquinha.
    A própria autora também terá considerado Lila a personagem principal, daí que nos quatro volumes comece por identificar a família dela, antes da da Elena.
    Se tivesse que escolher, escolhia a Elena. Estamos literalmente na cabeça dela, a descobrir o mundo mas sempre a querer agradar a todos. Um pouco como todos nós....
    Mas sei seguramente que não direi quando acabar este último volume que não sei como irei viver sem Elena e Lila, como sinto muitas vezes quando viro a última folha de um livro.

    ResponderEliminar
  3. É assim mesmo, Ana,quando terminar o quarto volume vai sentir a falta, sobretudo de Elena. Esse mesmo sentimento levou-me a ler "Escombros", pensando eu tratar-se de um livro que me aproximasse mais de toda aquela gente "inventada"(?) pela autora e me ajudasse a entender o comportamento de cada ator. Em certa medida sim, a autora responde, por escrito, às perguntas que diversos jornalistas de todo o mundo lhe colocam. Sem nunca sair do anonimato a que se propôs, lá vai explicando a interioridade da Lila, da Elena e da própria cidade (Nápoles) pela qual não morre de amores. Mas não vai além disso, perguntas e respostas longas, das mais diversas, bem como uma explanação quase sistemática da sua condição de escritora que prefere a "clausura". Parece incrível mas dei comigo, aos 76 anos de idade e leitor compulsivo desde os meus imberbes 10 anos, a gostar dos seus argumentos e a sentir a razão que a não faz demover de ser quem é, uma escritora anónima. Por isso me apaixonei pela sua escrita, por ela mesma. Vá-se lá entender esta paixão, quando não preciso dela por estar bem servido. Mas é isto mesmo a literatura.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)