Uma estranheza em mim, Orhan Pamuk (Editorial Presença)

 
  Apaixonei-me pela obra deste autor através da leitura do Museu da Inocência e, por isso, cada livro de Orhan Pamuk que começo a ler vem carregado de uma enorme expetativa, que o resumo deste, publicado na contracapa, ainda acentuou:
    Mevlut viu-a apenas uma vez e foi o suficiente para se apaixonar. Após três anos de cartas enviadas em segredo, decidem fugir. A escuridão da noite auxilia a fuga mas a luz de um relâmpago revela um engano terrível que os marcará para sempre. Chegados a Istambul, Mevlut decide aceitar o seu destino, seguindo os passos do pai (...)
    A história tem como centro este engano e as consequências que produz na vida das pessoas envolvidas, contudo, ao longo das mais de 600 páginas desta obra, grande parte é gasta a falar das alterações na cidade e na vida daqueles que a habitam, na modificação da paisagem urbana, da mudança dos bairros de casas construídas pelos que ali chegavam, vindos das aldeias, para prédios e arranha-céus. 
    A alteração da fisionomia da capital acompanha a alteração na vida das famílias e a própria economia.
    No meio deste fluxo de alterações Mevlut prossegue a sua vida, passando de vendedor de boza a gerente de loja e a outros trabalhos por conta de outrem, mas mantendo sempre a actividade de vendedor à noite, porque, citando Jean-Jacques Rousseau, só consegue meditar quando caminha.
    Há em Mevlut uma recusa em adoptar a nova cidade e a nova economia, permanecendo de alguma forma - ou pelo menos aos olhos dos outros - um campónio, apesar de já viver há várias décadas em Istambul. Talvez a resignação seja a característica mais marcante de Mevlut, o que o leva a aceitar o engano que esteve na origem do seu casamento com Rayiha e a ser feliz. Genuinamente feliz. 
    Gostei muito da forma como o livro está construído, por períodos temporais, que não estão ordenados cronologicamente, bem como da participação das várias personagens como narradores, dando-nos perspectivas diferentes sobre os vários acontecimentos. O peso excessivo das descrições das alterações na cidade e nas zonas limítrofes, poderá tornar o livro particularmente interessante para os seus habitantes, que reconhecerão muitas das zonas e das transformações nele mencionadas, mas tornam-no maçudo para os restantes leitores.
    Apesar disso, e sobretudo pela história de Mevlut, um livro a não perder.

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