Este tempo, crónicas, Maria Judite de Carvalho (Caminho)
Mais um livro de crónicas. Uma antologia de crónicas de Maria Judite de Carvalho organizada e prefaciada por Ruth Navas e José Manuel Esteves e editada em 1991. As crónicas foram publicadas em diversos jornais e revistas entre 1968 e o princípio dos anos 80. Ao contrário do que estava à espera, as crónicas mantém-se atuais na sua grande maioria, quer quanto aos temas, quer quanto à abordagem feita. Acresce ainda uma escrita perfeita, cuidada, poética por vezes.
Nestas crónicas, Maria Judite de Carvalho escreve sobre diversos temas, como o turismo, a publicidade, a língua portuguesa, a televisão e os computadores. Muitas das crónicas são sobre Lisboa:
«Às vezes acontece passarmos por uma rua onde não passávamos há um, há dois anos, e onde havia um bonito prédio antigo, com loja, com gato à janela, com
varanda florida, e já não há prédio, só remendo gritante, violento,
deserto à noite.» (O Jornal, 16-3-84)
«Por isso fico triste quando encontro uma casinha antiga, a ser demolida. Era feia? Talvez fosse feia, mas ficava bem a Lisboa e devia ser muito agradável viver dentro dela, no tempo em que o sol não era só dos gigantes e as árvores e os canteiros não eram um luxo inacessível.» (Diário de Lisboa, 13-1-73)
Também escreve sobre o rio Tejo e, neste caso, descobrimos a diferença para a atualidade, nesta crónica que data de 1971:
«Este Tejo é, de facto, um rio abandonado pelos deuses do rio. Está quase todo tapado, vedado, escondido, armazenado, por assim dizer, lá para o fundo da cidade. Fábricas, estaleiros, sei lá, tudo serve para que o não veja o lisboeta nem mesmo o turista - é bom não esquecer o turista, o sol e o céu azul não bastam para o atrair, é bom ajudar um pouco. E o Tejo....»
Tem também várias crónicas sobre a velhice, agrupadas no capítulo À espera, tendo como títulos Centenárias, Reformada, Velhinhas.
Muitas crónicas são pequenas histórias, como uma crónica publicada em 1973, com o título Desexistência:
Tem também várias crónicas sobre a velhice, agrupadas no capítulo À espera, tendo como títulos Centenárias, Reformada, Velhinhas.
Muitas crónicas são pequenas histórias, como uma crónica publicada em 1973, com o título Desexistência:
«Não sei se desistiu mesmo, um dia, tendo para tal, parece-me, várias circunstâncias atenuantes, ou se a sua vida foi sempre uma não-vida, um tempo passado ao lado, de fora da faixa por onde os outros se movimentavam. Há pessoas (...) - raras - que, por mais que vivam, nunca se habituam a viver.
»Ninguém sabe se desistiu mesmo, como já disse. Mas não. para uma desistência dessas, a grande, a maior de todas, é precisa uma coragem que ele nunca teve, um olhar em frente que não conseguia. Não, não era homem para isso. Desexistência, era tudo.»
Por coincidência, enquanto lia este livro soube que a obra completa desta autora vai ser publicada na íntegra, até ao final de 2019, pela Almedina, através da chancela Minotauro. Uma oportunidade para a reler e para as novas gerações a conhecerem.
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