A velocidade da luz, Javier Cercas (Edições Asa)


Javier Cercas "@ Clube de Leituras"
   Ao contrário de algumas pessoas que conheço que lêem mais do que um livro ao mesmo tempo, saltando de um para outro ao longo do dia ou dos dias, eu só consigo ler um livro de cada vez. Tenho de acabar o que estou a ler ou pelo menos decidir que interrompo a leitura porque começo a ler outro, e só quando  acabo este reinicio - ou não - a leitura do que abandonei. 
  É quase como se tivesse de manter uma relação de exclusividade com a história, com as personagens que habitam cada livro, impedindo-me de as abandonar a meio. Mas foi o que aconteceu com este livro, ou melhor com o que abandonei antes de o acabar, inadvertidamente, porque me esqueci dele. Comecei a ler este, A Velocidade da Luz, e não consegui parar.
    Confesso que inicialmente estranhei a mancha gráfica, onde praticamente não existem parágrafos e são raros os diálogos. A acrescer a isto, o livro só tem quatro capítulos, pelo que as páginas se sucedem, compactas e densas, contudo isto não dissuade o leitor de continuar, nem dificulta a leitura.
    A Velocidade da Luz é contada na primeira pessoa mas cujo nome desconhecemos. Trata-se de um jovem espanhol, de Gerona, que sonhava ser escritor e que aceita a sugestão de um antigo professor e vai para Urbana, nos EUA, com um bolsa de estudo. É lá que conhece Rodney Falk, um antigo combatente do Vietname, desprezado pelos outros professores e estudantes, que o temiam e consideravam louco. A vida de ambos vai-se entrelaçar fortemente e, apesar da distância entre ambos quando acaba aquele ano, há quase como uma fusão ou simetria entre as suas histórias pessoais. Como se um fosse o reflexo do outro.
    A Velocidade da Luz é o livro que ele escreve sobre as vidas de ambos e sobre o qual os dois falam e refletem antes de ele o escrever:

    «"As histórias não existem", disse-me uma vez. "O que existe é quem as conta. Se souberes quem é, tens história; se não souberes quem é, não tens história." "Nesse caso, eu já tenho a minha", disse-lhe. Expliquei-lhe que a única coisa que estava clara no meu romance era precisamente a identidade do narrador: um tipo exatamente igual a mim e que estava exatamente nas mesmas circunstâncias que eu. "Então o narrador és tu próprio?", conjecturou Rodney. "Nem pensar", disse-lhe, feliz por ser eu agora confundi-lo. "Parece-se em tudo comigo mas não sou eu."» (pg. 44)

    É um livro vertiginoso:

    «E nessa altura pensei que, desde que estava em Rantoul, tinha a impressão de que tudo se tinha acelerado, de que tudo tinha começado a correr mais depressa do que o habitual, cada vez mais depressa, mais depressa, mais depressa, de que a dada altura tinha havido um clarão, uma vertigem e uma perda, pensei que, sem o saber, tinha viajado mais depressa do que a luz e que aquilo que via agora era o futuro». (pg.190)

    Cada vez que a ação estabiliza ou normaliza dá-se uma viragem que nos surpreende, mantendo-nos presos à leitura, e deixando-nos em suspenso. No último capítulo receei que o livro acabasse da forma previsível como parecia que ia acabar - previsível na leitura mas imprevisível na realidade, e não sei o que mais me incomodava, se era uma, se era outra -, mas tal não aconteceu. 
    No meio deste enredo vertiginoso há momentos de reflexão sobre a vida, o amor, a amizade, os livros ou a literatura. E a ideia recorrente da ligação entre passado e futuro:

    «o passado não é um lugar estável mas mutante, permanentemente alterado pelo futuro e de que, por isso, nada daquilo que já aconteceu é irreversível.» (pg. 163)

    Aparece recorrentemente a oração de Hemingway, que não conhecia: 

    «Nada nosso que estás no nada, nada é o teu nome, teu reino nada, tu serás nada no nada como no nada».

   Um livro a não perder. Um autor a seguir.
   

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)