O Dono do Segredo, Antonio Muñoz Molina (Caminho)

  
Antonio Muñoz Molina "@ Clube de Leituras"
  O Dono do Segredo é um livro delicioso. Lê-se de uma assentada, com o prazer acrescido da proximidade porque não só se passa na vizinha Espanha, num passado recente, mas também porque nós, o nosso país, faz parte da história. Aliás, o livro inicia-se com uma carta aos leitores portugueses escrita pelo autor, Antonio Muñoz Molina, aquando da edição portuguesa, e na qual refere:
    "(...) Se eu não tivesse escrito este livro não saberia agora, ou não me recordaria, da importância que teve para mim, há mais de vinte anos, a notícia da Revolução de Abril, e do modo como as ideias mais sentimentais da minha adolescência sobre a liberdade perduram em mim associadas, e para sempre, a Portugal, às fotografias de carros de combate rodeados por multidões fervorosas, de soldados jovens com os punhos erguidos e cravos nas bocas das espingardas. (...) Em Setembro de 1973 Santiago do Chile tinha sido a nossa capital da dor; em Abril de 74 Lisboa converteu-se na capital da nossa alegria. (...)"
    Toda a história se desenrola na primavera de 1974, em Madrid, onde aportam dois jovens, vindos da mesma aldeia, um para estudar jornalismo e outro à procura de trabalho. Apesar das diferenças entre eles, ambos sonham com uma mudança no país que afaste Franco do poder. O estudante, narrador e protagonista, trabalha esporadicamente para um advogado que um dia lhe confia um segredo, e ele conta-o ao amigo que conta a outro...a revolução fracassa - e provavelmente nunca terão tido nada a ver com isso - mas viverão para sempre com o facto de não terem conseguido guardar segredo.
    O livro está muito bem escrito e não resisti a roubar algumas frases:
    "(...) o que o futuro tem de mau, quando ainda não se transformou em passado, é que não há maneira de suspeitarmos o que trará consigo, e que os únicos prognósticos que acertam são os retrospetivos.(pg. 32)"
    "(...) Tendemos instintivamente a favorecer-nos nos retratos do passado traçados pela memória. Depois descobrimos numa carta de há vinte anos o que pensávamos e sentíamos de facto então e vemo-nos como éramos, não ingénuos, mas simplistas, fanáticos em vez de apaixonados e rebeldes, pretensiosos, ignorantes, bastante idiotas, mas sobretudo distantes, tão inacessíveis nessa distância como a fotografia de um desconhecido, usando palavras que hoje juraríamos nunca ter dito nem escrito. (pg. 89)"
    Apesar de contar com mais de 20 anos, o livro é de uma enorme atualidade ao reflectir sobre a mudança de regime vivida em Espanha e a incapacidade, que ainda hoje se mantém, de fazerem as contas com o passado, numa transição feita num gota-a-gota exasperante (...) sem nunca termos tido a alegria de começar de novo, de apagar tudo e viver uma nova era: a alegria ou a ilusão, tanto se me dá.   

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