Contos de Petersburgo, Nikolai Gogol (Relógio D' Água)


Nikolai Gogol "@ Clube de Leituras"    Há um prazer especial em ler um livro no lugar em que a história decorre. Foi por isso que tendo lido alguns contos deste livro antes da viagem que fiz recentemente a São Petersburgo, reservei a leitura dos restantes para quando lá estivesse. Não resisti a tirar uma fotografia à placa toponímica que assinala o início da Rua Nevski, conhecida como Perspetiva Nevski e que dá o título ao primeiro conto. Explica Carlos Leite, tradutor desta edição, que se conservou  o termo Perspetiva porque a Avenida Nevski de Petersburgo é tradicionalmente conhecida nas literaturas ocidentais pelo seu nome em russo, Perspetiva Nevski.
        
    "(...) Ainda hoje entra-se na Avenida Nevski e é-se como que convidado a participar num longo e infindável cortejo."  Naturalmente não são os mujiques nem os preceptores de todas as nacionalidades que agora a atravessam, mas  a sensação da sua beleza e do cortejo infindável de quem lá passa ainda perdura.
    O livro reúne seis contos extraordinários, todos escritos entre 1834 e 1842 (no índice, à frente do título deste conto aparece 1941; ou se trata de um lapso ou é referência a uma edição posterior). Já tinha lido O Capote de que todos nós descendemos, segundo Dostoiévski, e o Diário de um louco. São ambos completamente absurdos. Surpreendentemente absurdos, mas são, simultaneamente, espelhos ou denúncias da realidade então existente. No conto O Capote, quando Akakii percebe que já não pode remendar o capote que tem, decide reduzir as despesas diárias pelo menos durante um ano inteiro: prescindir do chá à noite, não acender as velas(...) ao andar, na rua, pisar as pedras e as lajes o mais cautelosa e levemente possível, quase em bicos de pés para não gastar tão depressa as solas. 
    Mas o capote novo transfigura Akalii Akakievitch quando o usa:
    "(...) como se se tivesse casado, como se tivesse outra pessoa ao seu lado, como se tivesse deixado de estar sozinho e tivesse uma afetuosa companheira que aceitara caminhar de mão dada com ele pelos caminhos da vida - e essa amante - esposa, essa alma gémea mais não era do que aquele capote com chumaços de algodão e um forro robusto para durar toda uma vida."
    Neste conto, como nos restantes, o fim não chega quando lhe roubam o capote e Akakii morre. O narrador antecipa a continuação:
    "(...) Mas quem imaginaria que a história de Akakii Akakievitch não acabava aqui, que depois de morto ele viveria ainda alguns dias de som e de fúria, como uma espécie de compensação pela falta de brilho de toda a sua vida? Pois bem, foi o que aconteceu, e a nossa história ganha um final fantástico e inesperado".
    O Diário de um louco também é um relato extraordinário do mergulho na loucura e ao mesmo tempo a denúncia dos tratamentos então feitos aos diagnosticados como loucos: "(...) Vertem-me água fria pela cabeça abaixo. (...) Dói muito quando o maldito pau nos atinge."
    Mas penso que o absurdo é mais extraordinário no conto O Nariz: "(...) O assessor de colégio Kovaliov saltou da cama, sacudiu-se: não tinha nariz!..."
    Também neste conto, o narrador se dirige ao leitor censurando o conto pela temática e pelo absurdo da história:
    "(...) Mas o mais estranho, o mais incompreensível é haver autores que escolham semelhantes temas. Tenho de reconhecer que acho tudo perfeitamente inconcebível, é realmente... não, sou incapaz de compreender! Em primeiro lugar, nada disto tem alguma utilidade para a pátria; em segundo... em segundo lugar, também não tem qualquer utilidade.É qe nem chego a entender o que isto seja...."
    Um livro deliciosamente absurdo.

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