A Gorda, Isabela Figueiredo (Caminho)

   
     Quando comecei a ler este livro, A Gorda, tive a sensação que temos quando abrimos uma revista já com alguns anos, ou um álbum de fotografias de um amigo e descobrimos imagens que reconhecemos de quando éramos crianças ou jovens. A identificação que nos leva a dizer que tivemos uma camisola exatamente igual à da imagem ou um corte de cabelo parecido. Ou que também estivemos ali, naquele lugar que é agora o cenário de uma fotografia amarelecida. E essa identificação é parte do interesse que a leitura desta história suscita, reforçado ainda pela indicação dos lugares, das terras em que Maria Luísa, a protagonista, vive, estuda e, mais tarde, trabalha ou passa férias, o que me parece cada vez menos comum nos livros publicados entre nós.
    Também me pareceu curiosa a estrutura, baseada nas divisões da casa (Porta de entrada, Quarto de solteira, Sala de estar, Quarto dos papás, Cozinha, Sala de jantar, Casa de banho e Hall) e nas quais viajamos entre o passado e o presente. Estas viagens temporais são feitas sem regras, parecendo quase caprichosa a forma como Maria Luísa vai tecendo a sua própria história.
    Somado a este ziguezague, há  o desassombro com que fala dela própria e sobretudo dos seus sentimentos, quer quanto ao David, quer quanto aos seus pais. No caso dos pais expõe a ambiguidade que sente (sentimos) perante a velhice, a doença e a proximidade da morte:
    "(...) A mamã é um peso e um alivio. Quero que viva para sempre. Quero que morra e me deixe viver. Pelo menos que desapareça, desocupe o espaço que ocupa na minha vida, não me chantageie, exigindo de mim o que não retribui. O que penso que não retribui." (pg. 177) 
    É impossível não vermos Maria Luísa  como alter ego da autora, Isabela Figueiredo, aliás, ela utiliza elementos biográficos seus, tornando assim óbvia a sobreposição entre ambas, e por isso não pude deixar de me surpreender pela exposição crua a que se submete, exposição sobretudo física, descrevendo-se desde a puberdade até à idade adulta, passando pelo seu desejo - e tentativas - de ser mãe e pela gastreoctomia, em que o facto de ser gorda a qualifica e praticamente a define e determina o relacionamento que tem com os outros.
    Para além da identificação - e consequente prazer - que senti ao longo da leitura e reconhecendo o inegável interesse desta novela como um retrato do nosso país, entre os anos 70 do século passado e a primeira década deste, há na parte final, um esgotamento da fórmula. Sabemos já o que se passou com os pais de Maria Luísa, com ele própria e com a sua grande paixão e continuar no enredo em circulo gera algum cansaço ou desinteresse.

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