A Ilha de Sukkwan, David Vann (Edições Ahab)

   
David Vann "@ Clube de Leituras"
    Confesso que a leitura deste livro foi um murro no estômago. Um livro doloroso, mas vertiginoso, de tal forma que dificilmente conseguia parar de ler. No início receei que a história evoluísse tranquilamente, entre pai e filho, ambos a (re)conhecerem-se e a amadurecerem na vivência solitária e assustadora da ilha de Sukkwan, perto do Alasca. Talvez por isso, tenha sido absolutamente inesperada e surpreendente a sucessão de acontecimentos, apesar dos sinais que, como muitas vezes acontece, só temos capacidade de ler depois.
   Tenho dificuldade em explicar a razão pela qual, em determinados momentos, me recordava da obra O Deus das Moscas, de William Golding. Talvez porque n'A Ilha de Sukkwan também estavam afastados de qualquer civilização e, apesar de haver um adulto e uma criança, o primeiro não tinha a autoridade e os conhecimentos esperados, nem sequer estava preparado para enfrentar os problemas que iam surgindo:
    "(...) Roy sentiu que se estabelecia uma espécie de pé de igualdade. Nenhum deles sabia o que fazer e ambos tinham de o aprender."
    O livro inicia-se com a chegada de Roy e do pai à ilha para ali passarem o inverno. Embora o pai pareça entusiasmado durante o dia, passa as noites a gemer e a chorar. Faz confidências ao filho que este não está preparado nem deseja saber e vai evidenciando sinais crescentes de desequilíbrio, levando o filho a decidir permanecer porque percebe que o pai precisa dele:
    "(...) Roy estava sempre de olho no pai e não se apercebia de nenhuma fissura na carapaça do seu desespero."
    Uma inversão dos papeis numa idade em que o filho, uma criança ainda, não está preparado.

    Uma personagem praticamente ausente mas determinante é a mãe de Roy. Apesar de discordar do pai lembrando-o que as suas previsões raramente se tinham verificado, permitiu que o filho o acompanhasse para passar um ano na ilha de Sukkwan, deixando a decisão nas mãos do filho. Aliás, Roy, a dada altura, responsabiliza a mãe por o ter deixado ir. Apenas a irmã Tracy pede para ele não ir.
    O livro está dividido em duas partes e na primeira o narrador acompanha Roy, como se o seguisse  e, em simultâneo, fosse registando e narrando o que ele faz, pensa e sente. Na segunda acompanha o pai.
    Precisei de deixar passar algum tempo para refletir sobre a história que me parece ser sobre a loucura e os efeitos destruidores que pode ter, no próprio e nos que lhe estão próximos. A loucura subtil, não óbvia, que permite que uma pessoa aparente normalidade e capacidade de gerir a sua vida.  
    Parece-me que o cenário é quase irrelevante para o efeito. Fundamental era apenas o isolamento em que se encontravam os dois. Isolamento quase total, só quebrado pelo avião que ali amarava de tempos a tempos ou através do rádio amador, quando funcionava. E nesse isolamento tudo pode acontecer e demorar tempo a ser descoberto.

    Em 2011, quando A Ilha de Sukkwan foi lançado entre nós, David Vann deu uma interessante entrevista ao ipsilon onde fala nas razões que o levaram a escrever este livro e no tempo que levou a escrevê-lo e a publicá-lo.

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