O General e o Juíz, Luís Sepúlveda (Edições Asa)

    Em 1998 Pinochet foi preso quando se deslocou a Londres para ser submetido a uma cirurgia. Como era Senador pensava ter imunidade diplomática.  O juiz espanhol Baltazar Garzón aproveitou a situação para emitir um mandado internacional de prisão e solicitou sua extradição para a Espanha, na sequência de uma queixa apresentada pelo seu envolvimento na Operação Condor, que se destinava a perseguir e eliminar opositores de várias ditaduras sul-americanas (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai). 
    Pinochet esteve 503 dias detido, ao fim dos quais o Reino Unido não autorizou a sua transferência para a Espanha. Foi durante este período que Luís Sepúlveda publicou estas crónicas. Como escreve no texto inicial, reconhece com amargura que apesar de Pinochet não ter sido extraditado para Espanha, os artigos foram apreciados "(...) pelos que sofreram, pelos que sofrem, pelos que ainda mantém a esperança e não se cansam de afirmar que um outro mundo é possível."
    Ao longo  dos 22 artigos fala na sua experiência pessoal e familiar (em especial do filho Carlitos que, com 8 anos, teve de sair do Chile como refugiado), mas também na de muitos outros, presos, torturados, mortos ou dados como desaparecidos:  "(...) enquanto o Chile não recuperar o último dos seus desaparecidos, enquanto não se souber quando morreu, como morreu, quem foram os seus assassinos e, sobretudo, onde estão os seus restos mortais, a ferida permanecerá aberta, e é missão dos homens decentes mantê-la limpa e aberta, porque essa ferida é a nossa memória histórica."
    Relata também o momento exato em que soube da detenção de Pinochet: Que notícia memorável. Ofereço-lhe o que eu não tive, o que nenhuma das suas vítimas teve: pagar-lhe um advogado que o defenda e lhe garanta um julgamento justo, com respeito pleno pela sua integridade.
    A maioria dos artigos fala sobre o esquecimento (alzheimer político) decretado relativamente ao sucedido entre 1973 e 1989, e defendido por outros dentro e fora do Chile, como foi o caso de Felipe González. 
    Impressiona a escrita poética nalguns momentos como se fosse incompatível escrever desta forma sobre o horror. Sepúlveda no seu último artigo explica porque escreve:
    "(...) Não sou dado a perder-me nas velhas dúvidas que mortificaram e fizeram pensar os antigos filósofos, nem a sentir outras dúvidas além das necessárias para avançar no único caminho que sinto possível e que é o da escrita, essa barricada onde aportei quando já todas as outras tinham explodido, chegando a pensar que já não havia nenhum lugar possível para a resistência."

    Quando acabei de ler o livro, voltei a folhear o livro CONDOR de João Pina, com introdução de Jon Lee Anderson e posfácio de Baltasar GarzónComo é referido na introdução "É o lado "esquecido" deste episódio da história contemporânea que este magnífico e inquietante livro de imagens de João Pina procura evocar. Nas fotografias de familiares, de lugares de execuções e câmaras de tortura, ou de lugares onde as pessoas desaparecidas foram vistas pela última vez - e nos rostos emocionados das suas mãe, pais, filhos e amantes - João Pina encontra um sentido epitáfio para as pessoas cuja vida lhes foi roubada em segredo, cujos corpos foram feitos desaparecer e, por vezes, cuja própria existência foi deixada em dúvida."

    E para mim é quase impossível falar do golpe de Pinochet de 11 de setembro de 1973 e não lembrar Vitor Jara a cantar  El derecho de vivir en Paz. Jara morreu poucos dias depois, torturado, no Estádio Chile, em Santiago.

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